sexta-feira, junho 05, 2009

Caminhos para um diálogo saudável e eficaz - Parte I

Após haver lido meu livro “A Nova Conversa”, em que eu mostro como alguns princípios fundamentais da Psicanálise – da qual a Loganálise não é mais do que uma variação – podem ser empregados em nossa fala cotidiana para promover nossa saúde psicológica e a daqueles que nos cercam, Paula (óbvio que se trata de um pseudônimo) entrou em contato comigo perguntando – ela mora em outro estado - se eu não poderia orientá-la via Internet no que diz respeito à melhor forma de se comunicar com seu marido.

Curioso, aceitei o desafio, mas eu não tinha certeza sobre o quanto esse tipo de mídia se prestaria para instrumentar uma orientação loganalítica, disse que não iria cobrar pela orientação, pelo menos enquanto não tivéssemos certeza de que ela poderia ser eficaz.

Enviei-lhe, então, o seguinte e-mail:

Primeiro e-mail

Paula, estar fora de rota é a pior das derROTAS. Qual a nossa rota? Treinar você a empregar a Nova Conversa (NC) em seu cotidiano para promover sua saúde mental e a dos próximos a você. Isso se faz mediante o emprego de frases autológicas (enunciadas em primeira pessoa), microscópicas (referidas a situações específicas), expressando emoções e desejos e com DIREITO INCONDICIONAL de serem enunciadas.

“Nossa cultura, infelizmente, é alérgica à NC, remédio de que necessita desesperadamente para superar suas fixações e ingressar em uma nova era. Para combater a NC, ela aplica, contra quem tenta empregá-la, essencialmente QUATRO ARGUMENTOS. É preciso que saibamos deles nos defender. Exemplifico:

"Desses argumentos, empregados para ilegitimar a fala do próximo, o mais freqüentemente empregado pelos homens na relação com as mulheres é o da “irracionalidade”, o de que ela NÃO TEM RAZÃO e, para que se possa instalar uma NC, é fundamental que a mulher saiba lidar com esse tipo de ilegitimação" O argumento da “irracionalidade”:

FULANO: — QUANDO você fala isso (= microscopia), EU (=autologia) me sinto CULPADO (expressão de sentimento)!

BELTRANO: — Você NÃO TEM RAZÃO (= argumento da irracionalidade) de se sentir culpado .

FULANO: — Eu não disse que eu tenho RAZÃO em me sentir culpado, eu disse que ME SINTO CULPADO (= direito incondicional de expressar verbalmente as próprias emoções, sentimentos e desejos).


O argumento da “inutilidade”:

FULANO: — QUANDO você fala isso (= microscopia), EU (=autologia) me sinto CULPADO (expressão de sentimento)!

BELTRANO: — Pode tirar o cavalinho da chuva, porque eu NÃO VOU PARAR DE FALAR ISSO (= argumento da inutilidade) só porque você se sente culpado.

FULANO: — Eu não me lembro de haver dito para você PARAR DE FALAR ISSO, eu me lembro de ter dito que, quando você fala, EU ME SINTO CULPADO (= direito incondicional de expressar verbalmente as próprias emoções, sentimentos e desejos).

O argumento da “irrelevância”:

FULANO: — QUANDO você fala isso (= microscopia), EU (=autologia) me sinto CULPADO (expressão de sentimento)!

BELTRANO: — Esse negócio de você se sentir culpado ou não NÃO TEM A MENOR IMPORTÂNCIA (= argumento da irrelevância).

FULANO: — Se tem importância ou não eu me sentir culpado, não tenho a mínima idéia. Mas que tem importância eu poder falar que estou me sentindo culpado, quando estiver sentindo culpa, disso eu tenho toda a certeza (= direito incondicional de expressar verbalmente as próprias emoções, sentimentos e desejos).

O argumento do “desprazer”:

FULANO: — QUANDO você fala isso (= microscopia), EU (=autologia) me sinto CULPADO (expressão de sentimento)!

BELTRANO: —. Para mim, é muito DESAGRADÁVEL (= argumento do desprazer) você ficar dizendo que se sente culpado, quando eu digo que você não gosta de mim porque optou por fazer um doutorado fora, sabendo que eu não posso acompanhar você.

FULANO: — Lamento, mas para mim também seria extremamente desagradável NÃO PODER DIZER isso.

Desses argumentos, empregados para ilegitimar a fala do próximo, o mais freqüentemente empregado pelos homens na relação com as mulheres é o da “irracionalidade”, o de que ela NÃO TEM RAZÃO e, para que se possa instalar uma NC, é fundamental que a mulher saiba lidar com esse tipo de ilegitimação.

Note-se que, à medida que se vai instalando a NC, tendem a vir à tona sonhos, lembranças de infância e, com eles, a remissão de sintomas.

Dito isso, quero que você passe a me enviar fragmentos de diálogos que você considerou malsucedidos, ocorridos entre você e seu marido, para que eu possa comentá-los.

Caminhos para um diálogo saudável e eficaz - Parte II

Paula cumpriu minha solicitação e passou a enviar-me, por e-mail, fragmentos de diálogos ocorridos entre ela e seu marido, que chamarei de Felipe. Passei a responder-lhe com e-mails em que eu repetia trechos dos diálogos recebidos, seguidos de comentários loganalíticos. Os trechos de Paula vão em azul, meus comentários em preto.

Diálogo I

(O diálogo a seguir ocorreu no sábado passado, à noite, quando saíamos de um casamento, logo após dois caras que não conhecíamos virem tirar satisfação com o meu marido a respeito de fotos que ele havia tirado e de coisas que havia falado para as namoradas dos dois)

Felipe: Você devia ter me defendido e não ter ficado me julgando!

Paula: Mas eu não sei o que aconteceu, não sei o que você fez ou falou para as meninas!

Felipe: Eu não fiz nem falei nada de mais, já te disse!

Paula: Mas o que você falou?

Felipe: Eu não falei nada, já disse!

Paula: Você não falou nada ou você acha que não falou nada de mais?

Felipe: Isso não importa, independente do que eu fiz ou falei você deveria ter me defendido!

Eu: Não entendo como você poderia tê-lo defendido ou acusado se você NÃO SABIA DE NADA. Na verdade, o que me pareceria razoável (sem que eu esteja a par de todas as circunstâncias, o que poderia invalidar minha opinião) é que, quando os rapazes reclamaram, você se tivesse dirigido a eles, identificando-se como esposa e dizendo que você gostaria de saber deles exatamente o que havia ocorrido. De qualquer forma, tendo-se passado o episódio como se passou, o mais razoável, dentro do espírito da **NC, seria você haver dito para seu marido: “DESCULPE SE MAGOEI VOCÊ, NÃO FOI MINHA INTENÇÃO!”

Paula: É que eu fico preocupada, às vezes o que é normal para você não é para os outros.

Eu: Gostei do “eu fico preocupada”. Foi AUTOLÓGICO (EU (=autologia) e expressou um SENTIMENTO.

Felipe: Eu não falei nada! Eu não fiz nada! Você não confia em mim?

Paula: Eu só acho que você pode ter dito alguma coisa sem intenção de fazer mal, mas que pode ter feito.

Eu: Você confia ou não? Acho que esse assunto deve ser encarado sem rodeios. Não vejo cabimento, numa relação marital, em que um parceiro seja OBRIGADO a confiar no outro, nem que tenha que ESCONDER, se for o caso, QUE NÃO CONFIA. Aliás, você SABE se confia ou não?

[Veja, Paula: eu disse que lhe mandaria um e-mail com o resultado do trabalho feito em 45 min., tempo que duram minhas sessões de loganálise. Completei esse tempo e trabalhou-se MUITO MENOS do que se trabalharia “tête à tête”. Mas como estou disposto e quero aprender, vou trabalhar mais quarenta e cinco minutos, para ver o quanto isso rende]

Felipe: Eu não vou mais conversar sobre isso, vou te dar um tempo pra pensar.

Paula (dirigindo-se a mim): E saiu de casa e só voltou na madrugada de domingo para segunda-feira. Neste meio tempo mandei uma mensagem no celular pedindo desculpas.

Eu: (1) É, vocês estão de fato com um tipo de diálogo que costuma terminar em agressão ou afastamento. Acho que podemos mudar isso;

Não entendi o OBJETO do pedido de desculpas.
Diálogo II

(Este diálogo ocorreu ontem à noite e ainda versa sobre a discussão quando da saída do casamento)

Paula: Na verdade sabe o que eu acho que mais me incomodou nesta história toda?

Felipe: O quê?

Paula: É que quando o cara veio tirar satisfações com você, eu entrei no meio da confusão e disse que era sua esposa e ele me olhou com uma cara estranha, sei lá, de quem não está entendendo.

Felipe: Como assim?

Paula: Era como se ele dissesse "por que um cara acompanhado estava lá incomodando minha namorada?" Como se ele não acreditasse que você estivesse comigo. E eu fiquei me sentindo um lixo. Por que você não estava lá do meu lado?

Eu: Acho que, se você tivesse parado em “eu fiquei me sentindo um lixo” teria ficado de ótimo tamanho. Aos poucos você vai perceber que pedidos de explicação do tipo “Por que você não estava lá, etc.?” não levam a nada. Nove entre dez vezes, o interlocutor muda de assunto, ou responde de forma absolutamente insatisfatória.

Felipe: Você está voltando na mesma discussão de 2 semanas atrás.

Eu: Uma boa resposta seria: “O que mostra que o assunto da discussão de duas semanas atrás não se resolveu”.

Paula: Pois é, eu percebi isso, foi a mesma coisa que me incomodou. Eu me senti sozinha, menos importante. Desde que eu cheguei na festa foi tudo supergostoso, eu estava me sentindo bem, bonita, todos os nossos amigos vieram falar que eu estava supersexy, fiquei me achando o máximo! Aí no fim da noite acontece isso. Eu fiquei me sentindo mal. De que adianta me sentir toda bonita e sexy, se no fim da noite tenho que ouvir um cara me encarando com cara de ué e falando que você estava incomodando a namorada dele?

Eu: Essa comunicação foi simplesmente perfeita. Foi autológica, ***microscópica e expressou seus sentimentos.

Felipe: O que você quer é que eu fique o tempo todo te paparicando!

Eu: Olha como uma resposta microscópica poderia ajudar aqui: “Bem se o nome certo para o que eu queria é “paparicação” e se eu quero isso O TEMPO TODO, eu não sei. Mas que, naquela festa, eu gostaria que você tivesse ficado ao meu lado, em vez de tirando fotografia de outras, ah, lá isso eu queria!”.

Felipe: Você estava se sentindo sexy, bonita, admirada por todo mundo, só que eu também gosto de me sentir bem, eu também tenho o direito de me sentir bonito e admirado. Eu não acredito em relações desequilibradas, eu não vou te colocar num pedestal e ficar babando por você.

Eu: Este é o argumento da “inutilidade” (= “Se você está pensando que vai mudar alguma coisa falando isso, está muito enganada!”), um dos quatro principais para se tentar calar a boca do outro.

Paula: (depois de pensar um pouco): É, talvez eu queira que você fique babando por mim.

Eu: Seria melhor uma resposta que REAFIRMASSE SEU DIREITO de verbalizar o que sentiu, por exemplo: “Eu não me lembro de haver dito para você PARAR DE FAZER o que fez, lembro-me apenas de haver dito que fiquei me sentindo mal – sozinha e desimportante – com você tê-lo feito. Continuar fazendo ou parar de fazê-lo quem resolve é você. E resolve bem informado, sabendo do impacto que pode ter sobre mim”.

Felipe: Só que eu também quero ser bem tratado! Mas eu faço tudo por você, não tem como eu fazer mais! E você me trata mal! Você é agressiva comigo!

Paula: Eu sei que fui agressiva com você algumas vezes e já pedi desculpas por isso. Eu não quero fazer mais isso. Mas eu acho que você poderia fazer mais por mim também.

Eu: “acho que você poderia fazer mais por mim”. Esse tipo de fala costuma ser totalmente ineficaz. Veja o tipo de resposta, assentada na microscopia, que tende a levar a melhor entendimento: “Fulano (não me lembro do nome de seu marido), não me parece muito produtivo esse negócio de TUDO OU NADA, NUNCA OU SEMPRE. ONTEM, NO CASAMENTO, você NÃO FEZ o que eu gostaria de que você tivesse feito e me SENTI MAL. Ponto. Você tem todo o direito de, se quiser, continuar não fazendo e eu, se não conseguir mudar, de continuar aborrecendo-me com isso e, se me der ganas para tanto, de comunicar a você como me senti. De qualquer forma, se eu tenho uma reação desproporcional a abandono é meu o ônus de tratá-la, não seu o ônus de me proteger de minhas fobias.”

Felipe: Você não merece que eu faça mais!

Paula: Espera aí, agora a conversa mudou. Você acha que não tem como me tratar melhor do que você me trata ou você não quer me tratar melhor do que você me trata porque você acha que eu não mereço?

Eu: Não sei se você tem “caixa” para isso, mas eu responderia simplesmente: “Então não faça, porque fazê-lo ou não está inteiramente em suas mãos! O que não está em suas mãos é querer que eu não me aborreça com isso” (esse reconhecimento do DIREITO de ele agir como bem entender – aborreça-se você ou não com isso – tiraria dele a sensação de que é OBRIGADO a agir da forma que apraz a você, o que poderia levá-lo a agir mais da forma em que você gostaria que ele agisse).

Felipe: Eu trato bem quem me trata bem! Você nem me ouve quando eu estou falando do trabalho, eu tenho que pedir pelo amor de Deus pra você me ouvir 10 minutos!

Paula: Calma aí, como eu não te ouço? Todos os dias nós conversamos sobre o seu trabalho!

Eu: Eu diria: “Caramba! Não sabia que você sente isso! Minha impressão é a de que todo dia nós conversamos sobre seu trabalho!”

Felipe: Só que você nem dá bola!

Paula: Como eu não dou bola? Você está sendo injusto agora! Muito injusto! Eu sempre ouço o que você tem pra falar.

Eu: Eu diria: “Caramba! Estou de novo muito surpresa! Você pode me mostrar, quando isso ocorrer de novo, o que faz você pensar que eu ‘não dou bola’?”

Felipe: Você fica me interrompendo, não tem paciência pra me ouvir.

[Passaram-se mais 45 min.. Estou cansado, mas vou continuar porque o material deste e-mail já está quase no fim]

Paula: (depois de uma pausa): Eu ainda acho que você está sendo injusto, mas se você acha que eu te trato mal, que não te ouço, eu vou prestar mais atenção, estou disposta a mudar e a te tratar melhor.

Eu: Não foi mal. Mas, em vez de você propor que você mesma iria prestar atenção – o que é mais difícil – seria melhor você pedir que ele lhe apontasse esse seu comportamento – o que é mais fácil (“quem bate, esquece – ou não percebe – quem apanha lembra – ou sente na carne”), assim, simplesmente: “Gostaria que você me apontasse quando eu novamente fizer isso. Eu não percebo e gostaria de perceber.”

Paula (dirigindo-se a mim): Ele não falou mais nada e acabou a conversa.

Eu: A impressão que dá é a de que, nos diálogos de vocês, existe uma especial incapacidade de se PROCESSAR MÁGOA E RESSENTIMENTO. Vocês devem ter razões históricas para isso, razões pertencentes a uma época muito anterior a sequer se haverem conhecido. Se eu estiver correto e tivermos sucesso em patrocinar esse processamento, a tensão existente entre vocês vai se reduzir grandemente. Se você achar adequado, pode mostrar este meu e-mail para ele e pedir seus comentários.

[Ela mostrou e ele achou que foi muito útil para reduzir a tensão entre eles]

(CONTINUA)


*A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.

**NC - Abreviação de Nova Conversa, livro do autor baseado na loganálise.

***Diálogo microscópico: Um bom diálogo interpessoal - refiro-me, naturalmente, aos que dizem respeito a nossas relações íntimas e cotidianas, não a que tipifica uma aula de Matemática - é MICROSCÓPICO e, não, MACROSCÓPICO. Exemplifico:

Afirmação macroscópica: - Você NUNCA me amou!

Afirmação microscópica: - ONTEM, NA FESTA DE ANIVERSÁRIO DA ANA, eu me senti rejeitada quando você não me apresentou a seu chefe.

Caminhos para um diálogo saudável e eficaz - Parte III

Paula cumpriu minha solicitação e passou a enviar-me, por e-mail, fragmentos de diálogos ocorridos entre ela e seu marido, que chamarei de Felipe. Passei a responder-lhe com e-mails em que eu repetia trechos dos diálogos recebidos, seguidos de comentários loganalíticos. Os trechos de Paula vão em azul, meus comentários em preto.

(Este diálogo ocorreu faz alguns meses. Ele me dá ainda mais raiva do que os outros, de tão ridículo!)

Paula: Você precisa tomar mais cuidado, chegou outra multa de excesso de velocidade.

Eu: Eu jamais diria VOCÊ PRECISA: a frase é heterológica, faz a outra pessoa se sentir pressionada e acusada e, quase que fatalmente, a mandar você para o diabo e bater a porta na sua cara, ou começar a justificar-se com argumentos sem pé nem cabeça. Eu teria simplesmente dito: Fulano, chegou mais uma multa por excesso de velocidade! Ponto.

Felipe: Mas eu não estou correndo...

Paula: Pois é, mas você tomou multa, num lugar em que o limite era 60km/h.

Eu: Eu retrucaria: Eu não disse que você estava correndo, eu disse que CHEGOU MAIS UMA MULTA!

Felipe: Ai, eu sei onde foi, eu não passei de 65km/h.

Paula: Se você não tivesse passado de 65 não teria tomado a multa, você estava no mínimo a 66, pra dar os 10% acima.

Eu: Eu teria apenas respondido: Bem, a tolerância parece que vai até 10% além do limite, ou seja, 66km. Vai ver que o seu velocímetro e o do pardal estavam com regulagens diferentes.

Felipe: Mas eu não estava correndo!

Paula: Eu não estou questionando se você estava correndo ou não. Meu ponto é, você estava acima do limite de velocidade e você precisa tomar mais cuidado.

Eu: Eu diria: Fulano, eu NÃO DISSE QUE VOCÊ ESTAVA CORRENDO, eu disse que CHEGOU MAIS UMA MULTA!”. (Portanto, sem o maldito VOCÊ PRECISA!!!)

Felipe: Eu não tenho culpa se o limite de velocidade é tão baixo.

Paula [dirigindo-se a mim]: Neste momento eu desisti de discutir, não quis continuar fazendo papel de otária, tentando fazê-lo ver o óbvio.

Eu teria respondido: Fulano, eu NÃO DISSE QUE O LIMITE DE VELOCIDADE É ALTO, e tampouco disse que VOCÊ TEM CULPA. Eu disse que CHEGOU MAIS UMA MULTA!. Você está ouvindo mal? Talvez com cera no ouvido? Se for o caso, tem cotonetes lá dentro...

Não é enunciada em primeira pessoa.

Caminhos para um diálogo saudável e eficaz - Final

No fim da primeira parte dessa série de artigos afirmei:

“Note-se que, à medida que se vai instalando a *Nova Conversa, tendem a vir à tona sonhos, lembranças da infância e, com eles, a remissão de sintomas”.

Com efeito, após a troca de e-mails que comentei até aqui, Paula me envia dois sonhos que transcrevo a seguir.

No final deste texto coloco minhas conclusões sobre essa experiência de tentar orientar loganaliticamente alguém através de e-mails. Mas vamos ao relato de Paula:

César, não sei se os sonhos que relato a seguir têm alguma relevância, mas achei que deveria contá-los para você. São dois e ocorreram na noite passada.

“Em um deles você me entregava sua resposta ao meu e-mail em um pergaminho enorme, maior do que eu, em forma de poesia com uma pintura no fundo, era uma figura daqueles deuses hindus que têm vários braços (durante o dia de ontem uma amiga do trabalho estava falando sobre o Tibet e acho que isso puxou esta imagem no sonho).

No outro sonho minha mãe chegava falando sobre um padre que ela tinha conhecido e dizendo que queria que eu e meu marido casássemos na Igreja. Eu dizia que não iria propor isso para ele, pois sabia que ele não concordaria e ela dizia para eu não me preocupar, que ela falaria com ele.”

Paula , há duas maneiras básicas de se interpretar sonhos: uma, para fins de pesquisa; outra, para fins profiláticos ou terapêuticos. Essa última, naturalmente, é a que nos interessa e, nesse caso, é fundamental que, entre os infinitos temas que ocupam um sonho, sejamos capazes de distinguir qual, naquele momento, é a “bola da vez”, o que nem sempre é possível logo no início de um trabalho como o nosso. E, quando o psicólogo interpreta sem saber qual é a “bola da vez”, ele arrisca desviar a atenção do paciente para um assunto naquele momento imaturo ou irrelevante para análise. Não me sinto com dados suficientes para saber, dentre os vários temas aludidos nos sonhos acima, qual deveria ser preferencialmente abordado, por isso, prefiro abster-me de comentá-los. Mas os sonhos ficam registrados, talvez mais adiante possamos voltar a eles mais aparelhados para os interpretar com proveito.

César, lembrei de um outro diálogo com meu marido que aconteceu há alguns meses, não sei se bem ou mal sucedido...

Paula: Eu fiquei chateada quando você me contou aquilo.

Felipe: Não posso te contar mais nada agora? Você é a única pessoa com quem eu posso conversar sobre isso!

Eu: Pode contar, sim. Contanto que ele tenha “caixa” para ouvir de volta o impacto do que o que conta tem sobre você. E, se fica, por exemplo, decepcionado com a natureza desse impacto, ser capaz de enunciar essa decepção para você, o que lhe daria o consequente direito de enunciar o impacto de desilusão que a decepção dele tivesse sobre você e assim por diante, ad infinitum...

Paula: Você pode contar tudo o que você quiser, mas eu não posso te prometer que eu vou reagir sempre bem quando ouvir, às vezes pode ser que eu fique chateada, como ontem. Fica a seu critério decidir se conta ou não.

Eu: Caramba! Você está aprendendo!

Paula (dirigindo-se a mim): Depois disso ele nunca mais falou nada sobre o assunto em questão (as aventuras sexuais dele com outras mulheres). Eu não sei se o que fiz foi recalcá-lo, pois muito pouco do que ele conta sobre este assunto está relacionado a emoções, vontades, desejos. São em geral relatos descritivos, daqueles que os homens fazem em mesa de bar entre amigos para contar vantagem. E me machuca ouvir isso! Até que ponto vai o saber ouvir e onde começa o meu respeito ao meu não querer ouvir o que me machuca?

Eu: Realmente, fica difícil justificar a postura de “eu quero que você suporte ouvir o que lhe desagrada, mas não suporto o desagrado de ouvir que o que eu disse lhe desagradou”. Tal postura termina necessariamente por levar ao silêncio e à alienação entre as partes. De qualquer forma, acho que favorece mais seu crescimento você permitir que ele fale e comunicar o impacto que isso tem sobre você do que mandá-lo calar a boca.

Paula (dirigindo-se a mim): E outra coisa, ele sempre vem com esta história de que eu sou a única pessoa com quem ele pode conversar sobre mulheres e trabalho. Eu não acho que eu deva ser a única, seria saudável que ele tivesse outras pessoas que pudessem ouvi-lo também. Eu não dou conta de tudo! E eu não conto com ele para ouvir tudo o que preciso falar.

Eu: Gosto do ditado que define a política como “a arte do possível”. Penso que, a essa altura da relação de vocês, o “possível” é fazê-lo ver a falta de simetria existente em ele querer que você enfrente o desagrado de ouvir o que você não gosta de ouvir – o que me parece, entre casais, uma demanda legítima – sem lhe obsequiar de volta com a mesma gentileza. Creio que tentar fazê-lo desviar seus diálogos mais íntimos para a relação com outras pessoas é “missing the point” e irá, em médio prazo, esvaziar a de vocês.

Paula (dirigindo-se a mim): Aproveitando o e-mail, um sonho que tive esta noite: Eu estava beijando um menino que estudou comigo quando eu tinha meus 12 ou 13 anos, foi um sonho extremamente excitante e prazeroso. Eu nunca mais tive contato com este menino e, pra ser sincera, nem lembro de seu nome, mas a lembrança que tenho dele é a de uma festa de aniversário em que todos os meninos estavam de olho na menina nova que havia chegado de outra escola, a mais bonita da turma; e ele, todo pequenininho, uns 15cm menor do que ela, sem grandes atrativos, foi lá e ficou com a menina. Para surpresa de todos.

Eu: Bem, com a adição desse sonho ao material que você me trouxe até agora, oralmente e por escrito, arrisco aventar que seu “isso” (a parte de nossa mente que não reconhecemos como parte de nosso “eu”) está tentando descobrir qual a melhor forma de compreender e lidar com o eixo temático VALOR-DESVALOR, eixo que mantém evidentes associações com o de VINCULO-ABANDONO. As perguntas que seu “isso” está se fazendo parecem ser: “tenho ou não tenho valor?”, “uma pessoa pode ter valor e, ainda assim, ser abandonada?”, “ou não ter e, assim mesmo, ser querida?” e outras de mesmo jaez.

Evidentemente, com o pouco material que possuímos, isso não passa de um pensamento plausível, que pode ou não ser posteriormente descartado. É uma hipótese, não uma tese. Como dizia, sempre que lhe faziam uma pergunta, um personagem de uma peça de Nestroy, teatrólogo austríaco frequentemente citado por Freud: “Tudo ficará claro com o futuro desenrolar dos acontecimentos”.

Conclusão

Paula e eu ainda trocamos mais alguns e-mails. Cerca de vinte dias depois do último a que me referi, recebi a seguinte mensagem:

“César, só adiantando: minha relação com o meu marido mudou da água pro vinho depois dos seus comentários sobre nossos diálogos. Estou muito feliz, mas conversamos melhor na próxima sessão.

Obrigada!

Paula.”

Considerações finais

Quais são minhas conclusões sobre orientação loganalítica via e-mails?

As seguintes:

1) Que ela pode, de fato, ser útil, como atesta a última mensagem de Paula que transcrevi;

2) Que não vale a pena utilizar esse tipo de mídia para tal fim. A relação custo-benefício é desfavorável. Propus a Paula que, frente ao sucesso dessa “orientação à distância via e-mail”, testássemos como seria a continuação do trabalho por vídeoconferência. Fizemos isso e ficou claro - como seria razoável esperar – que, dessa forma, a economia de tempo para produzir a mesma quantidade de trabalho é imensa: nessa experiência com Paula, uma idêntica quantidade de trabalho, quando feito por e-mail, toma cerca do quádruplo do tempo do que toma quando feito por vídeoconferência, tempo esse equivalente ao de sessões “tête-à-tête”.

No presente momento, só vejo cabimento de se empregarem e-mails para orientação loganalítica à distância, quando a possibilidade de vídeoconferência inexiste. Há, na verdade, uma vantagem no uso de e-mails, mas essa, para fins de pesquisa: esse tipo de mídia deixa um registro escrito de todo o processo, podendo-se manter com facilidade o anonimato do paciente.

3) Numa época em que se realizam delicadas cirurgias por computador, chega a ser antiético colocar obstáculos a que profissionais competentes disponibilizem orientação ou tratamento psicológicos mediante tal tipo de recurso, mormente em situações especiais, como a de pacientes em pleno tratamento obrigados a fazer deslocamentos para outras cidades, dentro ou fora de seu território nacional, pacientes impossibilitados de deslocar-se até o consultório de seu psicólogo por razões físicas ou psicológicas (paralisias, grave agorafobia, estados depressivos graves, uso de tóxicos pesados etc.), residência em regiões que não possuem recursos adequados de atendimento psicológico, etc..

4) Cumpre, naturalmente, produzir regulamentação que reduza o quanto possível o espaço que esse tipo de atendimento à distância possa abrir para o charlatanismo e o engodo, (a) orientando a população sobre como proteger-se (por exemplo, exigir CRM e CRP de quem oferece o serviço e checar sua autenticidade e validade nos respectivos conselhos) e (b) regulamentar mais finamente o uso desse tipo de mídia na clínica psiquiátrica e psicológica (por exemplo, exigir que o profissional em pauta comunique aos respectivos Conselhos o início, fim e andamento, da prática em questão);

Adendo

1) Já em pleno teste de orientação loganalítica por vídeoconferência, ocorreu algo deveras ilustrativo quanto ao poder da informação, quando posta à disposição de pessoas inteligentes e relativamente saudáveis, como é o caso de Paula e Felipe:

A certa altura de nosso relacionamento, a preocupação com a relação entre os dois foi posta temporariamente de lado frente ao fato de o filhinho deles – de quatro anos, se bem me lembro – não estar conseguindo defecar HAVIA DEZ DIAS. Trouxeram essa preocupação para mim. Perguntei-lhes se haviam consultado pediatras. Consultaram mais de um, sem resultado. Perguntei-lhes se esses pediatras haviam encontrado alguma base orgânica para a prisão de ventre. Não, não haviam encontrado. Disse-lhes, então, que valia a pena testarmos a possibilidade de o sintoma ser de origem psicológica e acrescentei que, via de regra, cabe começar by the book, pela cartilha, e, se não tivéssemos resultado, procurar novas hipóteses. Acrescentei que, by the book, do ponto de vista psicológico, uma pessoa que não consegue defecar, que, portanto, está CHEIA DE FEZES, está metaforicamente ENFEZADA, ou seja CHEIA DE RAIVA, e que isso fazia suspeitar que alguma coisa havia ocorrido que provocara no menino esse tipo de sentimento e, fosse isso verdade, e eles tivessem impedido o menino de expressar essa raiva, tal poderia ser a origem do sintoma. Tenho tido contato com o casal uma vez por semana. Na sessão seguinte, me disseram que o menino voltara a defecar, só não o havendo feito um único dia, durante os sete que mediaram aquelas nossas duas sessões. Eles haviam seguido a contento minhas instruções, deixando o menino enunciar a raiva que um evento recente lhe havia provocado e que os pais lhe haviam anteriormente impedido de expressar.

2) Após cerca de três meses de orientação loganalítica, Felipe e Paula decidiram, de MANEIRA CIVILIZADA E SERENA, como rara vez se vê em uma separação, que os respectivos pontos de vista sobre como deveria ser uma relação amorosa a dois eram por demais diversos e que, portanto, deveriam, pelo menos, sine die, “dar um tempo”, podendo ou não, chegar a reatar de novo. Paula decidiu, então, suspender, também sine die, nossos contatos (o último, por razões técnicas, foi por telefone, não via Internet), enviando-me a mensagem que acabei de receber e que transcrevo em seguida:

“César,

Queria agradecer a você por toda a ajuda neste período. Sem dúvida foi o mais intenso da minha vida, as mudanças internas mais profundas e, o que é melhor, eu sinto que boa parte disso fui eu quem orquestrei, com sua orientação. Sinto que agora deixei de ser conduzida e passei a conduzir minha vida em direção do que eu quero e acredito.

Como eu te disse, tenho algumas questões financeiras para resolver agora com a separação, rever minhas contas, me reorganizar, e optei por suspender, por enquanto, nosso trabalho. Claro que o motivo não é apenas financeiro, neste momento eu vejo as coisas com bastante clareza e me sinto segura para interromper nosso trabalho.

Caso eu sinta necessidade de retomar, ou quando eu me reorganizar e puder retomar as sessões sem aperto, entro em contato com você.

Muito obrigada!

Beijo,
Paula.”

Respondi da seguinte forma:

“VALEU! Dê notícias de vez em quando. Gostaria de fazer follow-up de nosso trabalho.

P.S.: Imagino que“PAULA” estaria disposta a fornecer diretamente ao CRP-05 um depoimento pessoal sobre o processo que atravessou comigo, caso o Conselho entenda que isso iria enriquecer sua avaliação dos resultados do uso da mídia internáutica na orientação e tratamento psicológicos.

Fila

Esta que segue, não é de minha lavra. Chegou-me via Internet:

Uma funcionária da GOL, em Congonhas-SP, deveria ganhar um prêmio por ter sido esperta, divertida e ter atingido seu objetivo, quando teve que lidar com um passageiro que certamente, de tão “mala”, mereceria voar junto com a bagagem...

Um vôo lotado da GOL foi cancelado. Uma única funcionária atendia e tentava resolver o problema de uma longa fila de passageiros.

De repente, um deles, alterado, cortou toda a fila, atirou o bilhete em cima do balcão e disse, aos berros: “Eu tenho que estar neste vôo, e tem que ser na Primeira Classe!”

A funcionária respondeu: “Desculpe, senhor. Terei todo o prazer em ajudá-lo, mas tenho que atender estas pessoas primeiro, que elas estão aguardando pacientemente na fila. Quando chegar a sua vez, farei tudo para poder satisfazê-lo!”

O passageiro ficou irredutível e disse bastante alto, para que todos na fila ouvissem: Você faz alguma ideia de quem eu sou?

Sem hesitar, a funcionária sorriu, pediu um instante e pegou no microfone, anunciando: “Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor?” (sua voz ecoou por todo o terminal). E continuou: “Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é, e deve estar perdido! Se alguém é responsável pelo mesmo, ou é parente, ou então puder ajudá-lo a descobrir a sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL. Obrigada!”

Com as pessoas atrás dele gargalhando histericamente, o homem olhou furiosamente para a funcionária, rangeu os dentes e disse, gritando: “Eu vou-te foder!”

Sem perturbar-se, ela sorriu e disse: “Desculpe, senhor, mas mesmo para isso vai ter que esperar na fila.”

E o mal-educado reclamante, sob o riso de todos, foi-se postar no fim da fila...

Esse é um exemplo de como pode ser eficaz um manejo sereno e adequado de nossa comunicação verbal.

Cartela

Um de meus pacientes, recém-saído de um surto de euforia descontrolada – a que, tecnicamente, chamamos de mania) – estava tomando sua dose diária de um determinado remédio durante a cada uma de suas sessões (cinco por semana). Certo dia, mal entrado em meu consultório, dirigiu-se a mim aos berros:

PACIENTE: — ME DÁ ESSA CARTELA DE REMÉDIOS!

LC: — Sem problema, por favor, sente-se!

PACIENTE (já sentado e evidentemente surpreso com minha resposta): — Você vai me dar a cartela?

LC: — Claro! Com uma condição...

PACIENTE: — Qual?

LC: — Convença-me de que isso é uma boa idéia.

PACIENTE: — Blá, blá, blá, blá, blá, blá...

LC: — Não convenceu.

PACIENTE: — Blá, blá, blá, blá, blá, blá...

LC: — Não convenceu ainda. Mas não se preocupe, temos bastante tempo e, logo que você me houver convencido, passo-lhe a cartela.

PACIENTE: — Blá, blá, blá, blá, blá, blá...

LC: — Não convenceu ainda. Mas, se você não tiver pressa em receber a cartela, pode pensar um pouco, entre a sessão de hoje e a de amanhã, e – quem sabe? – encontra algo para me dizer que me convença. Se tive pressa, há outra alternativa.

PACIENTE: — Qual?

LC: — Mudar de psicólogo.

Parece que essa última alternativa não o satisfez muito, porque mudou de assunto. No fim da sessão, ao dispedir-se de mim, extravasou:

PACIENTE: — Obrigado por você não me haver dado a cartela.

Claro que ele sabia que ia fazer besteira. Estava apenas testando se eu tinha força suficiente para defendê-lo de sua própria loucura.

Gênio

Pouco terei a comentar sobre o diálogo que passarei a descrever, salvo para demonstrar meu estarrecimento.

Não me lembro de haver conhecido nenhuma criança de quem eu pensasse: “Esta não é apenas extraordinariamente inteligente, esta é um gênio!” Pois bem, Samanta me parece um gênio. E um gênio “na moita”. Quando, aos quatro anos, foi colocada na escola, a professora chamou a mãe e disse: “Sua filha parece que já sabe ler. Alguém a ensinou?” Ninguém havia ensinado. Aprendera a ler sozinha. Mas isso, evidentemente, é pouco. Vamos adiante.

Quando Samanta tinha onze anos, sua mãe comprou meu livro “A Nova Conversa” e, percebendo que a filha estava começando a folheá-lo, tirou-o da mão dela e disse que aquilo não era leitura para ela. Quando a mãe ia dormir, ela surrupiava o livro e devorava-o à noite, terminando-o em uma semana. Fossem as circunstâncias menos adversas, certamente teria terminado essa leitura em tempo recorde. Note-se que todas essas informações foram-me passadas por uma tia, Irene, que já havia lido meu livro e que, à época, morava na casa da mãe de Samanta, sua irmã, e com quem, a cada dia, a menina compartilhava o que havia descoberto em suas leituras da noite anterior.

Em pouco tempo, a menina estava começando a operar com conceitos que aprendeu. No livro, eu digo que entre os maus ouvintes está o “ávido”, aquele que quer ouvir mais do que o interlocutor quer falar. Logo a mãe teve que ouvir da filha: “Você está sendo ávida”! A mãe, naturalmente, desconfiou do que havia acontecido, mas aí era tarde demais...

Recentemente, soube por Irene – Samanta tem agora 14 anos – que se passou o seguinte diálogo entre ela e seu tio, Dimas, que estava querendo atrair a menina para não sei lá qual religião.

DIMAS: — Mas, então, você é atéia!?

SAMANTA: — Eu não sou atéia, eu sou agnóstica!

Chiquérrimo! A menina, com um termo que muito adulto alfabetizado não conhece – talvez mesmo nem o tio... – indicou com precisão e firmeza ao parente-apóstolo que ela não estava AFIRMANDO A INEXISTÊNCIA de Deus, estava fazendo uma SUSPENSÃO DE JUÍZO em relação à matéria! Continuemos:

DIMAS: — Mas é importante para as pessoas acreditar em Deus!

SAMANTA (firme): — É importante para quem não tem ética. Eu tenho ética. Não preciso me preocupar com Deus. Aliás, nem ele precisa se preocupar comigo.

Espero que Deus proteja a inteligência brilhante dessa menina dos ataques que um mundo bem menos inteligente do que ela certamente lhe irá fazer.

Estou brincando. Eu também sou agnóstico. Espero sim, agora sem brincadeiras, que o que ela aprendeu em meu livro lhe possa dar alguma proteção.

Escola

Mergulhando meus leitores, com estes escritos, em um ambiente loganalítico (psicanalítico), arrisco fazê-los esquecer que, em determinadas circunstâncias de nossas vidas, a questão central são as próprias OCORRÊNCIAS com que nos defrontamos e, não, seu PROCESSAMENTO psicológico, cujo objetivo precípuo é evitar que nossas vivências internas se tornem traumáticas, produzindo doença psicológica. Um e-mail que recebi recentemente ilustra bem isso. Passo a transcrevê-lo :

“Numa escola pública, estava ocorrendo uma situação inusitada: uma turma de meninas de 12 anos que usava batom todos os dias removia o excesso beijando o espelho do banheiro. O diretor andava bastante aborrecido, porque o zelador tinha um trabalho enorme para limpar o espelho ao final de cada dia. Mas – como sempre! – na tarde seguinte, lá estavam as marcas de batom.

Cansou-se a chamar a atenção delas por quase dois meses, e nada mudou: todo dia, a mesma coisa.

Tomou, portanto, uma decisão. Um dia, juntou-se no banheiro com o bando de pestinhas e o zelador, descrevendo pacientemente como era trabalhoso limpar todo dia todas aquelas marcas de batom que elas faziam no espelho.

Depois de laboriosa explicação – a que elas escutaram com cara de deboche – o diretor resolveu demonstrar concretamente o que tinha sido exposto em discurso e pediu ao zelador que demonstrasse às meninas ''a dificuldade do trabalho''.

O zelador – óbvio que previamente instruído – imediatamente pegou um pano, molhou NO VASO SANITÁRIO e passou no espelho.
As marcas de batom desapareceram dali!”

Há problemas que demandam solução PRÁTICA IMEDIATA e, nem sempre a solução para eles pode ser loganalítica.

Lembro-me de ter sido procurado para tratamento, apenas DOIS MESES ANTES de um concurso para um serviço público que particularmente a interessava e que era raramente realizado, por uma advogada de seus trinta anos com fobia de exames. Traduzindo: precisava de uma SOLUÇÃO PRÁTICA IMEDIATA para sua fobia. Não me pareceu prático que inciasse um tratamento loganalítico. Aconselhei-a, portanto: primeiro, a procurar um ALÍVIO SINTOMÁTICO de sua fobia mediante HIPNOSE e, após ter feito o concurso, tendo passado ou não, procurar-me para podermos diagnosticar e tratar dos elementos de sua personalidade que estavam na raiz de seu sintoma - queixa e de outros que, certamente presentes, estariam naquele momento com sua importância eclipsada pela iminência do concurso.

Acho que aplicar modelo idêntico à situação escolar descrita seria provavelmente o ideal. Prestemos atenção a um detalhe: a mensagem que me chegou por e-mail não menciona simplesmente “uma escola”, menciona “uma escola PÚBLICA”.

Ora, nossa experiência no Brasil mostra que, entre os que servem o público, o “servidor PÚBLICO” é o que mais o DESRESPEITA e menos o serve. Não seriam as marcas de baton no espelho apenas um protesto transverso de alunas que sabiam não serem levadas a sério se protestasse pelas vias “legais”? Fosse assim, o que me parece bem possível, além de empregar uma PRIVADA, que resolveu O SINTOMA, seria interessante que o corpo administrativo e o docente empregassem uma comunicação de tipo loganalítico para curarem A DOENÇA.

Estresse

O diálogo que abordaremos neste capítulo foi estabelecido por um órgão de pesquisa estabelece com seu universo pesquisado. Vejamos. Segundo matéria publicada em um de nossos hebdomadários, um certo canal Nickelodeon fez uma pesquisa com 2.800 crianças entre 8 e 15 anos, em treze países. O resultado surpreendeu os pesquisadores: entre as crianças das treze nacionalidades, o LUGAR DE MAIS ESTRESSADAS COUBE ÀS BRASILEIRAS! Ficou assim a pontuação (quanto mais pontos, maior o nível de estresse):

1) Brasileiras - 7

2) Japonesas - 6,4

3) Alemãs - 6

4) Chinesas - 5,9

5) Francesas - 5,9

6) Americanas - 5,8

7) Argentinas - 5,7

8) Suecas - 5,6

9) Dinamarquesas - 5,4

10) Inglesas - 5,3

11) Sul-Africanas - 5

12) Indianas - 4,6

13) Indonésias - 4,3

Verificou-se que nossas crianças têm mais medo do terrorismo do que as americanas, se preocupam mais com a AIDS do que as da África do Sul, angustiam-se mais com a intimidação de colegas do que as inglesas, têm mais medo de falhar no ingresso às faculdades do que as japonesas, e temem mais a gripe do frango do que as chinesas, cujo país é assolado por esse mal.

Enfim, as crianças brasileiras estão ENTRE AS MAIS ESTRESSADAS DO MUNDO!

E por quê?

Qualquer loganalista (psicanalista) reconhece que o fator causal desse exagerado estresse está exposto na matéria, mas sem ser reconhecido como essencial e arrolado entre outros, não causais, mas meros derivados daquele. E que fator é esse? A FALTA DE DIÁLOGO com os pais. E por que, no Brasil, essa falta de diálogo é maior? A resposta também se encontra – mais uma vez insuficientemente valorizada – na reportagem em questão. Segundo ela, as crianças brasileiras “ganham de lavada ainda num item curioso. Só 20% das crianças inglesas e 50% das chinesas, por exemplo, acham que fazer os pais felizes está entre suas incumbências. Mas essa é uma expectativa partilhada por 95% das brasileiras, em mais um desdobramento do medo e da impotência que elas têm nos gestos dos adultos. Não é de admirar, portanto, que APENAS 16% DELAS OPTEM POR CONVERSAR COM SEUS PAIS quando estão aflitas, uma média MUITO INFERIOR à dos outros pesquisados.”

Em suma, empregando expressões que introduzimos em texto anterior (clique aqui), podemos afirmar que as crianças brasileiras são as mais estressadas do mundo, porque, embora seu “ambiente de ocorrência” – nível dos FATOS – possa, sob muitos aspectos, ser melhor do que o das americanas, sul-africanas, inglesas, japonesas e chinesas, seu AMBIENTE DE PROCESSAMENTO – nível da REPRESENTAÇÃO VERBAL dos fatos – é pior do que o de todas as demais.