terça-feira, julho 26, 2011

SUICÍDIO

Perguntaram-me recentemente sobre suicídio. Sobre essa questão, tenho um material, que, embora não me recorde de onde o colhi, entendo como fundamental.

Trata-se de uma pesquisa em que dois grupos de pacientes com tendências suicidas foram entregues aos cuidados de duas equipes de psicoterapeutas de orientação radicalmente opostas:

A primeira equipe usava um tipo de estratégia que, em meu livro, chamo de “Estratégia de Doutrinação” (a qual, atualmente, prefiro chamar de “de Psicodiálise”), ou seja, empregando intervenções do tipo:

“Mas você já pensou nos seus filhos? Já pensou em seus pais? Em sua mulher? Já imaginou como eles ficarão? E você não se diz religioso? Sua religião não considera o suicídio um pecado, uma ofensa a Deus? Você está querendo ofendê-lo? Você ainda tem toda uma vida pela frente. Quer desperdiçá-la? Etc., etc.”;

A segunda aparelhava-se do tipo de abordagem que lá chamo de “Estratégia de Autogestão” (a qual, atualmente, prefiro chamar de “de Psicoimunização”), empregando intervenções do tipo:

“Como você pensa em se suicidar? Mas por que jogando-se por uma janela e não envenenando-se ou cortando os pulsos? Já houve outros momentos em que pensou em suicidar-se? E, por que não o fez? Fale-me um pouco do ocorrido. E que razões, no momento atual, têm retardado você em fazê-lo? São as mesmas que anteriormente o impediram? Você já tomou providências para proteger seus amigos e familiares das consequências de sua morte? Quais foram essas providências? Etc., etc.”;

O estudo verificou a ocorrência de um número estatisticamente maior de suicidas entre os pacientes submetidos às intervenções do primeiro tipo de estratégia do que entre os atendidos em conformidade com segunda delas. A razão disso me parece óbvia:

A segunda estratégia, ao legitimar e mesmo expandir a fala sobre suicídio, permitiu:

(a) que os pacientes já saíssem tão “suicidados” de cada sessão, que não tinham suficiente energia, fartamente descarregada pelo “ralo” das palavras, para transformar pensamento em ação;

(b) por outro lado, o acesso da emoção ao córtex verbal gerou – como atualmente demonstrado pela Psiconeurologia – um feedback desse último que diminuiu a intensidade do fluxo energético proveniente de sua “torneira” cerebral, o sistema límbico.

Ora, alargado o “ralo verbal” e, consequentemente, estreitada a “torneira energética”, a “pia-psíquica” dos pacientes em pauta raramente transbordou sob a forma de ação.

HETERISMO

Eis uma vinheta clínica, que belamente ilustra os mecanismos que subjazem a esse neologismo por mim cunhado e que parece endêmico ao acontecer humano:

Um paciente recentemente internado em manicômio é visitado por sua mãe. Pula em seu pescoço. Acorrem médicos e enfermeiras, arrancando-a das manoplas do filho. Medicam-no, remitindo o surto psicótico. A mãe, hesitante, torna a visitá-lo. Enfermeiros e médicos põem-se a postos. Desfazendo gerais temores, o paciente recebe a mãe sereno e carinhoso. Quando essa, ao sair, chega quase à porta, ouve chamá-la o filho e volta-se, para ouvi-lo dizer: “Mãe, acho que tem alguém querendo agredir você!”

Todo recalque implica projeção da parte recalcada. Quando o recalque é generalizado, a projeção generalizada daí resultante – e particularmente comum na histeria – bem merece ser denominada, como o fiz, heterismo, que, se bem me acude a memória, deve corresponder, não sei quão precisamente, ao que Klein chamou de “externalização”.

P.S.: A propósito de bibliografias, quem quiser conhecer, numa só tacada, a essência de Klein, deveria compulsar o livro de Hanna Segal, “Introdução à obra de Melanie Klein”.

quinta-feira, julho 21, 2011

A “PSICOTERAPIA” DE PESSOAS SAUDÁVEIS

Wilhelm Reich dizia que o grande problema de, via tratamento psicanalítico, tornarmos uma pessoa saudável era: com quem, agora, ela vai jogar o jogo da sanidade?

Leia-se: como lidar com o fato de estar superiormente são inserido em uma humanidade superiormente doente?

Tenho notado com certo espanto que, cada vez mais sou procurado por pessoas que, do ponto de vista psicológico, ao invés de mais doentes, são, bem ao inverso, mais saudáveis do que a média da população. E que tipo de ajuda posso eu oferecer a essas pessoas?

Psicoimunidade. Como assim? Assim:

Neurose pega! Quanto mais saudável é uma pessoa, mais ela é uma pessoa distinta. Distinta no rasteiro e literal sentido de que ela sabe distinguir quem é ela de quem é o outro. O conhecido personagem humorístico Nerso da Capitinga entendia disso. Frequentemente, declinava o mote: “ieu é ieu, o sinhorr é o sinhorr”. O português não era exatamente acadêmico, mas a filosofia estava à altura de um Nietzsche!

Pois bem, quanto mais saudável é uma pessoa, mais ela sabe quem ela é e quem são os outros. E, não sei se me precipito, mas sou fortemente inclinado a dizer que, se há uma característica universal da doença psicológica em nosso planeta, ela merece o nome de promiscuidade existencial. A prática lingüística corrente e aparentemente inócua de se pontificar “porque a gente ...”, quando uma pessoa saudavelmente distinta diria “porque eu ...” é berrante sinal dessa promiscuidade.

E que vejo nessas pessoas distintamente saudáveis que procuram minha ajuda? Que carecem de um repertório lingüístico suficientemente eficaz para se defenderem dessa promiscuidade existencial endêmica que ameaça a sua saudável distinção.

Poucas – quase nenhuma dessas pessoas – têm repertório lingüístico para, diante de um invasivo e desrespeitoso “a gente”, responder:
“A gente quem, cara-pálida?”

Com elas, faço pouco mais do que lhes transmitir um repertório que defende sua saudável distinção.

E minha experiência tem demonstrado que esse pouco é muito.