quarta-feira, abril 26, 2006

PSICANÁLISE E FARMÁCIA

A Psicanálise, no futuro, será substituída por medicamentos? Se o for, certamente serão também as escolas. Pois ambas, tanto as escolas quanto a Psicanálise, lidam com INFORMAÇÃO. Entraremos, um dia, em uma farmácia e pediremos pílulas que nos ensinem a falar francês e outras que nos livrem de nossas especiais fobias? Em tal caso, iríamos assim nos dirigir assim aos farmacêuticos: "Por favor, o senhor tem um curso de Direito em pílulas? Quanto custa? E o de Engenharia? E o curso que ensina a não ter alergia a sogras? É mais caro?" Fantástico, não? Infelizmente, por enquanto, os medicamentos só podem REDUZIR O NÍVEL com que nos assomam certas emoções, INDEPENDENTEMENTE DO ESTÍMULO QUE AS DESENCADEIA. Não são capazes, por exemplo, de reduzir meu nível de angústia frente a CAMISAS VERMELHAS, a cor, por "coincidência", da camisa da pessoa que me estuprou. Por outro lado, são perfeitamente capazes de REDUZIR SIGNIFICATIVAMENTE MINHA ANSIEDADE frente a QUALQUER ESTÍMULO, inclusive o de estar sendo estuprado por alguém com camisa verde!
A Psicanálise lida com a adequação ou não dos DESENCADEANTES de determinadas reações emocionais; os medicamentos, com essas reações emocionais DE PER SI, independentemente do que as desencadeia.
Será mesmo que os medicamentos chegarão ao ponto de cumprir a função que hoje a Psicanálise se propõe a cumprir? Quem viver, verá.

quinta-feira, abril 06, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS VII: LUTO

Faz pouco tempo, fui procurado em minha clínica por uma senhora de 82 anos, com quem entabulei o seguinte diálogo:

SENHORA: — Doutor, soube de algumas coisas que o senhor tem falado nas palestras que deu na UNIRIO e quis vir aqui lhe fazer uma pergunta.
EU: — Pois não, faça.
SENHORA: — Não. Antes quero relatar algumas coisas.
EU: — À vontade.
SENHORA: — Doutor, quando eu tinha sete anos de idade, morreu uma pessoa de minha família. Os parentes vestiram-se de preto e as demais pessoas mantiveram uma distância respeitosa dos que estavam de luto.
EU: — Sim.
SENHORA: — Depois, quando fiz dezoito, morreu outra. Percebi que poucos se vestiram de preto. A maioria dos homens, por exemplo, colocou apenas uma tarja preta na lapela de seus ternos. Mais uma dúzia de anos, e morreu outra. Aí, nem tarja na lapela. Pois bem, eu casei aos dezessete anos. Meu marido foi o único homem de minha vida e eu fui extremamente feliz com ele, que faleceu faz quatro meses. Um mês depois, nosso único filho se suicidou. E as pessoas estão me pressionando para que eu não fique triste, não chore, me distraia e “fique bem”. Agora eu posso fazer a pergunta.
EU: — Qual é a pergunta?
SENHORA: — É a seguinte: o que houve com as pessoas? Eu estou maluca ou TODO MUNDO FICOU IDIOTA?
EU: — Não, minha senhora, a senhora não está maluca, TODO MUNDO FICOU IDIOTA.
SENHORA: — Ah, eu já desconfiava. Só queria confirmar. Obrigado, doutor.
E a velhinha, que, por tudo que me relatou, havia vivido uma vida feliz e saudável, nunca mais voltou a meu consultório... E, no que diz respeito à própria saúde, ela tinha razão: só podendo sentir completamente a dor de nossas perdas podemos seguir inteiros nossa caminhada. Voltarei sobre isso.