domingo, setembro 25, 2005

O QUE É PSICANÁLISE?

Há uma grande confusão, no seio do grande público e, mesmo no de profissionais, sobre o que seja Psicanálise. Imagino que as considerações a seguir possam, se não dirimir, pelo menos atenuar essa confusão.

A Psicanálise existe em dois níveis, o de ser uma TEORIA PSICOLÓGIA e o de ser uma ESTRATÉGIA PSICOTERÁPICA.

No que diz respeito à sua TEORIA, o conceito essencial que gerou a Psicanálise é o de que "mental" é sinônimo de "intencional". Assim, se você arremessa uma pedra em direção ao sul, ela iniciará uma tragetória em direção ao sul, porque não tem um psiquismo, uma mente, que se oponha as forças que a arremessaram; já se você arremessa um pássaro - vivo, é claro! - na mesma direção, você não pode prever para que direção ele se deslocará, porque ele tem um psiquismo que fará decisões de vôo, que o levarão a direções diversas ou idêntica àquela para onde foi lançado. No fim do século XIX, o atendimento, pelo clínico geral austríaco, Joseph Breuer, de uma paciente chamada Bertha Pappenheim, demonstrou que o comportamento do ser humano pode ser guiado, além de por intenções CONSCIENTES, também por intenções INCONSCIENTES. Enquanto teoria psicológica, a Psicanálise lançou-se à tarefa de adicionar à compreensão das intenções conscientes que comandam o comportamento humano, a compreensão dessas intenções inconsciente que também o influenciam.

No que diz respeito à ESTRATÉGIA PSICOTERÁPICA, a Psicanálise abarca o conjunto de técnicas - extremamente diversificadas - que se inspiram nos seguintes pressupostos: (1) há tanto mais saúde mental, quanto mais as intenções que gerenciam o comportamento de um sujeito são PASSÍVEIS DE CONSCIÊNCIA e (2) para que uma intenção seja plenamente consciente, deve ser passível de ESPRESSÃO VERBAL. Enquanto estratégia psicoterápica, portanto, o objetivo da Psicanálise é o de expandir o campo de experiência pessoal que tem ACESSO À PALAVRA, pouco importanto o tipo de técnica empregado, se capaz de cumprir tal objetivo.

quinta-feira, setembro 22, 2005

"VOLTAREI!"

VOLTAREI!

Luís César de Miranda Ebraico

Em seu discurso de renúncia, Severino Cavalcanti afirmou: - "Voltarei, voltarei, voltarei!"
Voltará? Se voltar, ficará provado que o problema do Brasil não são os políticos corruptos, são os eleitores otários. Karl Popper dizia: "A função da democracia não é fazer que os melhores cheguem ao poder, é garantir que os piores não permaneçam nele". Nunca fiquei tão feliz com o meu voto como na última eleição. Disse a meus amigos: "Vou acabar com a ilusão dos brasileiros sobre o Lula e o PT". Perguntaram-me: — E como você vai fazer isso? Respondi: — "Vou votar no Lula. No dia em que ele se sentar na cadeira de presidente, vão, ele e o PT, acabar com a mística com que têm apavorado os conservadores e encantado os progressistas. Vai ficar claro que não são nem muito piores nem muito melhores do que os demais políticos que assolam o cenário nacional." Eu poderia, como eleitor, estar mais realizado?
Não, não poderia, e vale a pena aprofundar isso. Marx dizia: "O requisito essencial para que nos livremos de uma condição que precisa de ilusões é nos livrarmos das ilusões sobre nossa própria condição". Com efeito, para que qualquer democracia avance, os eleitores precisam passar pela dolorosa terapia da desilusão com aqueles a quem elegem. Parece que o povo brasileiro está no divã. E já que Lula e o PT fizeram a gentileza de — turbinados por meu voto e de muitos outros mais — colocarem nosso povo no divã do desencanto, vou-me permitir como loganalista — um recente desenvolvimento da Psicanálise — alguns vôos interpretativos. Vejamos.
A essência desse vôo seria afirmar que temos um sério problema de identidade. Somos “brasileiros”. Isso, lamento dizê-lo, é uma verdadeira catástrofe. “Brasileiros” eram os europeus — mormente portugueses — que se aventuravam em nossas terras para saqueá-la, pondo abaixo as reservas florestais de pau brasil para voltarem ricos para suas terras e lá viverem às custas do que depredaram aqui. Por razões que logo exporei, no inconsciente de muitos de nós, continuamos a ser “brasileiros” no pior sentido que essa palavra pode ter: continuamos sonhando que somos europeus e que vamos depredar esta terra, arrancar dela suas riquezas e nos transferirmos para a Europa — Maiami também serve! — para usufruir gostosamente os ganhos dessa depredação. Estou cansado de atender paciente das classes que abocanham mais de metade de nosso PIB e que pensam e sentem exatamente assim. Seria necessário lembrar do Maluf?
Um outro elemento relacionado aos problemas de identidade dos brasileiros é o fato de que foram vergonhosamente enganados pelos portugueses, ou, pelo menos, por um português, Dom Pedro I. Via de regra, os processos de independência são sangrentos. Quando as 13 colônias americanas se revoltaram contra as taxas extorsivas que a metrópole inglesa cobrava sobre, entre outras coisas, o chá, iniciou-se uma guerra. Obedecer às leis impostas por aquela metrópole era ser vergonhosamente submisso a ela, infringi-las era ser patriótico. Ao vencerem a metrópole, rasgar as leis que a metrópole impunha e redigir outras, supostamente satisfatórias para a nação que se libertou do jugo colonial, obedecer à lei passou a ser um ato de patriotismo e desobedecê-la, não.
Durante o Brasil colônia tínhamos dois tipos de sujeitos em nossa população: os “brasileiros”, que, como dissemos, eram europeus que vinham depredar nosso atual território para gozar as benesses disso em seus países de origem, e os “santos de pau-oco”, que tentavam passar a perna na Metrópole traficando pedras preciosas dentro de imagens sagradas cujo interior, oco, estava preenchido delas. Como não fizemos uma guerra de independência, como Dom Pedro I, um português, enganou todos os brasileiros OUTORGANDO uma independência que deveria ter sido tomada à força, não nos livramos da metrópole, INTERNALIZAMOS A METRÓPOLE: a camarilha portuguesa que mandava no Brasil disse à população que ela estava independente e continuou mandando aqui da mesma maneira que mandava enquanto ainda éramos colônia. Com efeito, somos colonizados por nós mesmos e é essa a razão de nosso país apresentar uma das mais - senão a mais - injusta distribuição de renda de todo o planeta. As 500 famílias que, hoje, abocanham a esmagadora parte de nosso PIB são — seria um acaso? — exatamente os descendentes das 500 famílias portuguesas que sugavam as riquezas do Brasil colônia (não custa lembrar que, durante dezenas de anos, se bem me lembro, cerca de dois terços dos recursos econômicos de Portugal provinham dos lucros auferidos aqui). Com a derrocada das monarquias, essas 500 famílias político-aristocráticas, transformaram-se em famílias político-buracráticas e continuaram, mediante o velho e eficiente expediente das taxas e impostos, a sugar o sangue da população para sevar seus salários e aposentadorias milionárias. Nesse processo, os dois tipos que populavam nosso território, os “brasileiros” e os “santos de pau oco” sincretizaram-se e produziram o “brasileiro de pau oco”: depredam o Brasil para levar seus recursos para fora e escondem seus ganhos, não mais em imagens de santos, mas em cuecas e em caixas dois. Paulo Maluf, Severino Cavalcanti et caterva são insignes representantes dessa estirpe.
Quando esse “brasileiros de pau oco” são pegados com a boca na botija, reagem como o judeu reagiu em uma piada contada por Freud. Isaac emprestou um prato a Jacó. Jacó rachou o prato de Isaac. Não querendo assumir os ônus disso, Jacó devolveu o prato não para o Jacó, mas para a empregada dele e esperou que tudo passasse em branco. Não passou. Jacó bateu em sua porta e indigitou: — "Isaac, você rachou o prato que eu lhe emprestei!" Isaac, acuado, saiu-se com esta: — "Jacó, primeiro, você não me emprestou prato nenhum; segundo, quando você me emprestou o prato, ele já estava rachado; terceiro, eu lhe devolvi o prato inteirinho!"
Não é uma delícia? Ouçamos os nossos políticos. O Severino diz: primeiro, eu prorroguei o contrato do Buani porque isso era perfeitamente legal; segundo, não há nenhum documento que sustente a suspeita de que eu fiz essa prorrogação ilegal; terceiro, a assinatura que existe no documento que eu disse que não existe e que sustenta essa suspeita não é autêntica. Se não fosse trágico, seria cômico.

quinta-feira, setembro 15, 2005

A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE PSICOLÓGICA

Há cinco grandes grupos de doenças psicológicas: (1) as demências, (2) as oligofrenias, (3) as psicoses, (4) as psicopatias, (5) as neuroses. A prevenção e o tratamento dos quatro primeiros grupos são tarefas que exigem a intervenção de um profissional. Já a prevenção e o tratamento das neuroses - que, na verdade, são responsáveis por mais de 90% do conjunto de doenças mentais - teriam grande avanço se a população em geral fosse devidamente orientada para intervir. Enquanto grande parte das doenças pertencentes aos primeiros quatro grupos tem fundamentos genéticos - e é a Genética que nos vai socorrer no lidar com elas -, as neuroses são afecções causadas por distúrbios nos processos de comunicação verbal e, se aperfeiçoamos esses processos - e não é preciso ser um profissional para fazer isso -, podemos nos tornar promotores de saúde psicológica, seja no sentido de prevenirmos sua ocorrência (isso ocorre, principalmente, na relação com nossos filhos), seja no sentido de dissolvermos quadros neuróticos já instalados (os de maior gravidade, naturalmente, requerem intervenção de um profissional).
Como é que a palavra intervém na criação da neurose? Para isso, é bom que tentemos desenhar um esboço do que seja saúde psícológica. Vou fazê-lo em uma linguagem bastante accessível: saúde mental é a capacidade de ter suficiente jogo de cintura para juntar o útil ao agradável. Vamos a alguns exemplos.
O primeiro ilustra as conseqüências de uma excessiva ênfase no agradável poder prejudicar o útil. Os chamados "quadros maníacos" fazem isso. Conheci um jovem diretor de cinema que sofria de crônicas dificuldades financeiras e que teve imenso prazer em lançar ao mar R$50.000,00 que havia recebido de seu primeiro filme de sucesso! Por outro lado, há quadros neuróticos, mormente pertencentes à categoria dos Transtornos Obsessivos Compulsivos (TOC), cujos representantes são capazes de trabalhar operosamente em uma profissão que detestam, colocar religiosamente a cada mês em uma poupança 20% de seus salários, ter seguro de vida, de saúde e já haverem comprado a própria sepultura, enfim, viver uma vida dentro de parâmetros da maior segurança, mas, por outro lado, de um tédio mortal.
A pessoa saudável consegue harmonizar funcionalidade (= segurança) com prazer. Mas por que a neurose (como todos os demais quatro grandes grupos de doença psicológica, porém é sobre ela que nos concentraremos aqui) impede que essa harmonia ocorra? Para que, no que diz respeito a prazer e funcionalidade, possamos, em nossa vida, otimizar a relação custo/benefício é necessário, antes de tudo, que não sejamos ALIENADOS. Lembram-se de Machado de Assis e de sua obra "O Alienista"? Pois é, há cerca de cem anos atrás, chamavam-se "alienistas" os médicos que tratavam dos doentes (= alienados) mentais. A alienação - estado em que a pessoa está alheia, de si mesmo e do mundo - é a essência da doença mental. Prevenir a doença mental, ou tratá-la, é evitar que a alienação ocorra ou ser capaz de dissolvê-la. Essa alienação, no caso de uma demência, é devida à destruição concreta de tecido cerebral, e não há leigo que possa intervir para sustar ou eliminar esse processo. Já no que diz respeito à neurose, a causa é mais accessível à intervenção de qualquer pessoa - profissional ou não - bem informada. A alienação, na neurose, é causada porque, àquela pessoa, FALTAM PALAVRAS. Querem um exemplo? Lá vai. Recebi um paciente, na casa de seus vinte anos, cuja mãe havia sofrido muito sob a tradição judaico-cristã de induzir culpa nos que são por ela influenciados. Revoltou-se contra isso e, com intenção de proteger seu filho dessa danosa influência, pontificou: "Culpa não existe, não passa de uma invenção judaico-cristã. Você pode se sentir responsável, nunca culpado!" E ele ficou proibido de usar a palavra "culpa" e seus cognatos. Por melhor que fossem suas intenções, ela roubou de seu filho uma palavra. Não existe ser humano que, com razão ou sem ela, não tenha, em certos momentos de sua vida, sentido culpa. E o processo saudável - não alienado - exige que, ao sentir qualquer sentimento, culpa ou qualquer outro, o ser humano seja capaz de expressá-lo verbalmente. Com suas boas intenções - mas mal informada -, a mãe de meu paciente havia-lhe roubado uma palavra. Ele tinha sido proibido, por ela, de expressar verbalmente seus sentimentos de culpa, quando, com razão ou sem ela, os experimentava. O que nasceu daí? Nasceu uma neurose, a inescapável filha da ausência de uma - ou mais - palavras. Quais os sintomas? Meu paciente era compulsiva e exageradamente "certinho". Tão certinho que - entre dezenas de outros exemplos que não me delongarei a citar -, se tinha quatro horas para estudar para uma prova, passava três delas arrumando o seu quarto, pondo cada coisa em seu perfeito lugar, antes de poder começar a estudar, apresentando, ao final, um resultado acadêmico muito aquém do que seria capaz de produzir. Chegado à terapia, pude explicar-lhe que, por mais que sua mãe estivesse querendo ajudá-lo, ela não entendia muito de Psicologia, e, ao impedir-lhe de falar frases como "eu estou me sentindo culpado" (fosse ou não culpado), ela estava lhe fazendo mal. O paciente, que, inclusive, havia lido meu livro, "A Nova Conversa", era bastante inteligente e logo entendeu o que lhe expus. Não vou entrar em detalhes aqui, mas, na medida em que foi capaz de enunciar o sentimento de culpa (repito, fosse culpado ou não), quando o experimentava, viu-se livre de uma série de sintomas que entravavam gravemente sua vida cotidiana.
Se a alienação é o núcleo da doença psicológica, os dois tipos de literatura que atualmente pretendem ajudar o cidadão comum a lidar com seus problemas cotidianos fazem exatamente o contrário do que seria desejável. A maioria esmagadora dos chamados livros de "auto-ajuda" só faz alimentar a alienação, propondo que o indivíduo se esforce para ter um "pensamento positivo", ou seja, se ele está triste, deve fingir que está alegre, se está com raiva, deve fingir que está cheio de amor. Há mais alienação do que isso? O outro tipo de literatura à disposição do grande público é de inspiração psicanalítica. Não faz tanto mal quanto o primeiro, mas, de qualquer forma, consegue ser gloriosamente inútil. Se a literatura chamada de "auto-ajuda" propõe uma alienação mediante a superficialidade, a literatura psicanalítica propõe a alienação mediante a profundidade. Uma de minhas pacientes, que passou, e decepcionou-se com eles, por esse dois tipos de "receitas existenciais", comentou: "Quando me livrei daquela porcaria de literatura de auto-ajuda que mandava eu ficar feliz quando eu estava p... da vida, caí numa psicanálise que me fornecia explicações mirabolantes sobre as razões de eu estar assim, sem me dar qualquer orientação sobre o que eu deveria fazer para sair de maneira decente do estado em que eu me encontrava."
Qual, então, o tipo de literatura que poderia ser, de fato, útil para superarmos o impasse criado por aqueles dois tipos de receita. Publicarei, neste blogue, uma série de postagem - em particular algumas entituladas "DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS" - que tem por objetivo exemplificar que literatura é essa. Uma exposição mais ampla encontra-se, naturalmente, em meu livro "A Nova Conversa".