quinta-feira, setembro 22, 2005

"VOLTAREI!"

VOLTAREI!

Luís César de Miranda Ebraico

Em seu discurso de renúncia, Severino Cavalcanti afirmou: - "Voltarei, voltarei, voltarei!"
Voltará? Se voltar, ficará provado que o problema do Brasil não são os políticos corruptos, são os eleitores otários. Karl Popper dizia: "A função da democracia não é fazer que os melhores cheguem ao poder, é garantir que os piores não permaneçam nele". Nunca fiquei tão feliz com o meu voto como na última eleição. Disse a meus amigos: "Vou acabar com a ilusão dos brasileiros sobre o Lula e o PT". Perguntaram-me: — E como você vai fazer isso? Respondi: — "Vou votar no Lula. No dia em que ele se sentar na cadeira de presidente, vão, ele e o PT, acabar com a mística com que têm apavorado os conservadores e encantado os progressistas. Vai ficar claro que não são nem muito piores nem muito melhores do que os demais políticos que assolam o cenário nacional." Eu poderia, como eleitor, estar mais realizado?
Não, não poderia, e vale a pena aprofundar isso. Marx dizia: "O requisito essencial para que nos livremos de uma condição que precisa de ilusões é nos livrarmos das ilusões sobre nossa própria condição". Com efeito, para que qualquer democracia avance, os eleitores precisam passar pela dolorosa terapia da desilusão com aqueles a quem elegem. Parece que o povo brasileiro está no divã. E já que Lula e o PT fizeram a gentileza de — turbinados por meu voto e de muitos outros mais — colocarem nosso povo no divã do desencanto, vou-me permitir como loganalista — um recente desenvolvimento da Psicanálise — alguns vôos interpretativos. Vejamos.
A essência desse vôo seria afirmar que temos um sério problema de identidade. Somos “brasileiros”. Isso, lamento dizê-lo, é uma verdadeira catástrofe. “Brasileiros” eram os europeus — mormente portugueses — que se aventuravam em nossas terras para saqueá-la, pondo abaixo as reservas florestais de pau brasil para voltarem ricos para suas terras e lá viverem às custas do que depredaram aqui. Por razões que logo exporei, no inconsciente de muitos de nós, continuamos a ser “brasileiros” no pior sentido que essa palavra pode ter: continuamos sonhando que somos europeus e que vamos depredar esta terra, arrancar dela suas riquezas e nos transferirmos para a Europa — Maiami também serve! — para usufruir gostosamente os ganhos dessa depredação. Estou cansado de atender paciente das classes que abocanham mais de metade de nosso PIB e que pensam e sentem exatamente assim. Seria necessário lembrar do Maluf?
Um outro elemento relacionado aos problemas de identidade dos brasileiros é o fato de que foram vergonhosamente enganados pelos portugueses, ou, pelo menos, por um português, Dom Pedro I. Via de regra, os processos de independência são sangrentos. Quando as 13 colônias americanas se revoltaram contra as taxas extorsivas que a metrópole inglesa cobrava sobre, entre outras coisas, o chá, iniciou-se uma guerra. Obedecer às leis impostas por aquela metrópole era ser vergonhosamente submisso a ela, infringi-las era ser patriótico. Ao vencerem a metrópole, rasgar as leis que a metrópole impunha e redigir outras, supostamente satisfatórias para a nação que se libertou do jugo colonial, obedecer à lei passou a ser um ato de patriotismo e desobedecê-la, não.
Durante o Brasil colônia tínhamos dois tipos de sujeitos em nossa população: os “brasileiros”, que, como dissemos, eram europeus que vinham depredar nosso atual território para gozar as benesses disso em seus países de origem, e os “santos de pau-oco”, que tentavam passar a perna na Metrópole traficando pedras preciosas dentro de imagens sagradas cujo interior, oco, estava preenchido delas. Como não fizemos uma guerra de independência, como Dom Pedro I, um português, enganou todos os brasileiros OUTORGANDO uma independência que deveria ter sido tomada à força, não nos livramos da metrópole, INTERNALIZAMOS A METRÓPOLE: a camarilha portuguesa que mandava no Brasil disse à população que ela estava independente e continuou mandando aqui da mesma maneira que mandava enquanto ainda éramos colônia. Com efeito, somos colonizados por nós mesmos e é essa a razão de nosso país apresentar uma das mais - senão a mais - injusta distribuição de renda de todo o planeta. As 500 famílias que, hoje, abocanham a esmagadora parte de nosso PIB são — seria um acaso? — exatamente os descendentes das 500 famílias portuguesas que sugavam as riquezas do Brasil colônia (não custa lembrar que, durante dezenas de anos, se bem me lembro, cerca de dois terços dos recursos econômicos de Portugal provinham dos lucros auferidos aqui). Com a derrocada das monarquias, essas 500 famílias político-aristocráticas, transformaram-se em famílias político-buracráticas e continuaram, mediante o velho e eficiente expediente das taxas e impostos, a sugar o sangue da população para sevar seus salários e aposentadorias milionárias. Nesse processo, os dois tipos que populavam nosso território, os “brasileiros” e os “santos de pau oco” sincretizaram-se e produziram o “brasileiro de pau oco”: depredam o Brasil para levar seus recursos para fora e escondem seus ganhos, não mais em imagens de santos, mas em cuecas e em caixas dois. Paulo Maluf, Severino Cavalcanti et caterva são insignes representantes dessa estirpe.
Quando esse “brasileiros de pau oco” são pegados com a boca na botija, reagem como o judeu reagiu em uma piada contada por Freud. Isaac emprestou um prato a Jacó. Jacó rachou o prato de Isaac. Não querendo assumir os ônus disso, Jacó devolveu o prato não para o Jacó, mas para a empregada dele e esperou que tudo passasse em branco. Não passou. Jacó bateu em sua porta e indigitou: — "Isaac, você rachou o prato que eu lhe emprestei!" Isaac, acuado, saiu-se com esta: — "Jacó, primeiro, você não me emprestou prato nenhum; segundo, quando você me emprestou o prato, ele já estava rachado; terceiro, eu lhe devolvi o prato inteirinho!"
Não é uma delícia? Ouçamos os nossos políticos. O Severino diz: primeiro, eu prorroguei o contrato do Buani porque isso era perfeitamente legal; segundo, não há nenhum documento que sustente a suspeita de que eu fiz essa prorrogação ilegal; terceiro, a assinatura que existe no documento que eu disse que não existe e que sustenta essa suspeita não é autêntica. Se não fosse trágico, seria cômico.

2 comentários:

Anônimo disse...

Seria muito indelicado de minha parte culpar a colonizacao lusa por tao nefastas consequencias? O Dom Joao Sextinho...

O que me espanta nisso tudo é a perplexidade do povo. No meu tempo de universitária, estudantes e intelectuais ainda mudavam a História e viravam o jogo? Cadê-los???

Anônimo disse...

Não sei se podemos culpar os portugueses por tão nefastas consequências. A América espanhola sangrou pela independência e não é coisa melhor...