domingo, julho 23, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XIV: ESCÂNDALO, INDIFERENÇA E NATURALIDADE.

Fragmento de uma sessão de psicoterapia familiar:

FILHO (dirigindo-se à mãe, em tom de protesto): — Mamãe, o que me deixa irritado é sua maneira escandalosa de reagir diante da mínima coisa que eu faça de errado! E muitas vezes na frente de outras pessoas que não têm nada que participar disso!
MÃE: — Ah, é? Faço isso porque eu me importo com você! Mas você prefere que eu não me importe, não é?! Pois então fique sabendo que não vou mais me importar! Daqui pra frente, você pode fazer a besteira que você quiser, que eu não vou falar nada!

Os primeiros automóveis tinham uma marcha – no máximo, duas – para frente e uma – quando tinham – para trás; as primeiras batedeiras e os primeiros liquidificadores elétricos tinham apenas as teclas de “liga” e de “desliga”. Atualmente os automóveis possuem até oito marchas para frente (será que mais?) e até duas (será que mais?) para ré e as batedeiras e liquidificadores apresentam uma infinitude de velocidades de operação. E qual o significado disso? O seguinte:

EVOLUÇÃO IMPLICA GRADAÇÃO DE RESPOSTA.

Respostas do tipo “tudo ou nada” são respostas primitivas, isso tanto em nível meramente mecânico, quanto em todos os demais níveis, incluído o nível psicológico.

“Eu bebo todas ou não bebo nenhuma”, “eu faço escândalo ou fico indiferente” são indicadores de funcionamento psicológico pouco maduro. E, note-se, nada impede que essas áreas não evoluídas de uma personalidade, funcionando segundo o Princípio do Tudo ou Nada coexistam com outras, em que encontramos perfeita gradação. Que fazer?

A experiência em clínica psicoterápica tem demonstrado que as dimensões de nossa personalidade que funcionam de acordo com o o Princípio do Tudo ou Nada são áreas em que o a pessoa atingida apresenta DEFICIENTE EXPRESSÃO VERBAL.

Ou seja, se sou CAPAZ DE FALAR com desenvoltura sobre o espectro de sentimentos que vai desde a mera cordialidade até o mais profundo amor, sou capaz de me comportar de maneira adequadamente gradual nessa dimensão de minha existência; por outro lado, se não tenho tal capacidade no que diz respeito ao espectro que vai da mera irritação ao profundo ódio, meu comportamento não é devidamente graduado no que diz respeito a essa dimensão.

E um “bom menino”, cuja educação e cordialidade era admirada por todos, pode subitamente – e para surpresa de todos que o conheciam – tornar-se um assassino de massa, como os retratados por Cooper no aclamado “Tiros em Columbine”...

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XIII: HOJE, EU VOU FALAR!

Roberto irrompeu de maneira inusitadamente violenta em meu consultório, vociferando:

Roberto: — Hoje eu vou falar!
Luís César: — Não sei se eu quero ouvir! – respondi, enfático.
Roberto: — Não??? – retrucou paciente, surpreso e murcho.
Luís César: — Pelo jeito, você já vem querendo falar isso há algum tempo.
Roberto: — É verdade.
Luís César: — Mas existe alguma coisa dentro de você não querendo que você faça isso.
Roberto: — É verdade.
Luís César: — Não me parece que “estuprar” um bloqueio desses dê bons resultados psicanalíticos...
Roberto: — Não?
Luís César: — Não. Dá rebote. Você entra aqui, corajosíssimo, violenta as partes suas que não querem que você fale, vai embora e, entre esta e a próxima sessão, ou tem um ataque de angústia, ou de depressão, ou se defronta com o agravamento de algum sintoma.
Roberto: — É sempre assim?
Luís César: — Vezes suficientes para que não me pareça inteligente arriscar.
Roberto: — Que fazer, então?
Luís César: — Falar sobre o que vem impedindo que você fale. Se você falar o suficiente sobre que obstáculo é esse, vai, de repente, perceber-se falando o que quer falar de forma espontânea e natural, sem ter que fazer nenhum ato de coragem.
Roberto: — Bem, é verdade que o que eu tenho para falar me faz sentir humilhado, blá, blá, blá, blá, blá, blá...

Esse trecho de uma sessão real ilustra o princípio técnico-psicanalítico de que “a abordagem da resistência deve ter prioridade em relação à abordagem do resistido”. E daí? O que tem o leigo a ver com isso? Tem a ver com o fato de que nossas comunicações ficariam muito mais azeitadas se evitássemos no dia-a-dia, diálogos como o seguinte:

FULANO: — Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você... (hesitante)
BELTRANO: — Pode falar!!!... (seguro e enfático)

Esse tipo de diálogo gera tensão e, fartas vezes, confusão, porque o sujeito que disse “pode falar” acaba, no fim das contas, se revelando incapaz de ouvir. É perfeitamente possível empregarmos em nosso dia-a-dia o que a prática ensinou aos bons terapeutas. Assim, por exemplo:

FULANO: — Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você... (hesitante)
BELTRANO: — Você tem idéia de que dificuldade é essa?

Isso tornaria nosso cotidiano menos tenso e melhor.