domingo, julho 23, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XIII: HOJE, EU VOU FALAR!

Roberto irrompeu de maneira inusitadamente violenta em meu consultório, vociferando:

Roberto: — Hoje eu vou falar!
Luís César: — Não sei se eu quero ouvir! – respondi, enfático.
Roberto: — Não??? – retrucou paciente, surpreso e murcho.
Luís César: — Pelo jeito, você já vem querendo falar isso há algum tempo.
Roberto: — É verdade.
Luís César: — Mas existe alguma coisa dentro de você não querendo que você faça isso.
Roberto: — É verdade.
Luís César: — Não me parece que “estuprar” um bloqueio desses dê bons resultados psicanalíticos...
Roberto: — Não?
Luís César: — Não. Dá rebote. Você entra aqui, corajosíssimo, violenta as partes suas que não querem que você fale, vai embora e, entre esta e a próxima sessão, ou tem um ataque de angústia, ou de depressão, ou se defronta com o agravamento de algum sintoma.
Roberto: — É sempre assim?
Luís César: — Vezes suficientes para que não me pareça inteligente arriscar.
Roberto: — Que fazer, então?
Luís César: — Falar sobre o que vem impedindo que você fale. Se você falar o suficiente sobre que obstáculo é esse, vai, de repente, perceber-se falando o que quer falar de forma espontânea e natural, sem ter que fazer nenhum ato de coragem.
Roberto: — Bem, é verdade que o que eu tenho para falar me faz sentir humilhado, blá, blá, blá, blá, blá, blá...

Esse trecho de uma sessão real ilustra o princípio técnico-psicanalítico de que “a abordagem da resistência deve ter prioridade em relação à abordagem do resistido”. E daí? O que tem o leigo a ver com isso? Tem a ver com o fato de que nossas comunicações ficariam muito mais azeitadas se evitássemos no dia-a-dia, diálogos como o seguinte:

FULANO: — Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você... (hesitante)
BELTRANO: — Pode falar!!!... (seguro e enfático)

Esse tipo de diálogo gera tensão e, fartas vezes, confusão, porque o sujeito que disse “pode falar” acaba, no fim das contas, se revelando incapaz de ouvir. É perfeitamente possível empregarmos em nosso dia-a-dia o que a prática ensinou aos bons terapeutas. Assim, por exemplo:

FULANO: — Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você... (hesitante)
BELTRANO: — Você tem idéia de que dificuldade é essa?

Isso tornaria nosso cotidiano menos tenso e melhor.

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