segunda-feira, junho 26, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XII: ESTRATÉGIAS PSICOTERÁPICAS.

Para bem entender este diálogo, travado via Internet, é necessário ter lido o anterior, “O Caminho do Meio”. Em seqüência ao imeil ali transcrito, recebi outro, que igualmente transcrevo. Passarei a chamar a missivista de Fátima.

“Vejo que é fã de Freud. Quanto aos cérebros, se eu falar sobre eles com uma pessoa que desconhece totalmente o assunto "mente humana", taxam-me de louca, de doida, mas o certo é que trata-se de 2 cérebros trabalhando em conjunto, digamos que um é "meu" e o outro um invasor que tenta se apoderar do meu. As imagens passam muito rapidamente, de tal forma que não as consigo captar bem. Antes, isso me dava muito medo, pavor mesmo. Hoje, quando esse “outro cérebro vem, o que está espaçando cada vez mais, já não sinto tanto medo. Pelo contrário, tento mantê-lo, porque sinto que é algo da infância. Só digo uma coisa, passei a viver realmente minha própria vida de 2 anos para cá. Foi ai que despertei e começou outro pesadelo ainda maior.Numa outra oportunidade lhe escrevo e relato minha infância, aí com toda certeza vai compreender. Abraços mil. Fátima.” [Mais uma vez, para facilitar o entendimento e sem alterar o conteúdo, melhorei o estilo e eliminei alguns erros de pontuação e gramática do original].

Respondi assim:

“Fátima, o que lhe posso relatar a partir de minha experiência como loganalista é que esse seu "segundo cérebro" guarda memórias, emoções, desejos etc. que têm tido impedido seu acesso à palavra, em virtude de uma oposição provinda do "cérebro principal". Sua atual psicoterapia, como qualquer psicoterapia eficaz, deve estar aumentando a tolerância desse seu "primeiro cérebro" àquelas memórias, emoções etc, dando legitimidade ao gradual acesso desses conteúdos ao reino da palavra, razão pela qual as intrusões "terroristas" do “segundo cérebro” deverão, como já está ocorrendo, diminuir em freqüência e intensidade. Parabéns a você e a sua atual terapeuta. Abraço. Abraço. Assinado: Luís César.”.

Como exponho no capítulo oitavo de meu livro, “A Nova Conversa” – embora, ali, eu tenha usado outras denominações – há três grandes estratégias de atendimento psicoterápico: a de doutrinação, a catártica e a reconstrutora.
A primeira objetiva impedir que o paciente tenha certos pensamentos, substituindo-o por outros, de natureza oposta. Por exemplo, a um paciente com idéias suicidas tenta-se – usando uma variedade de técnicas, inclusive a hipnose – fazer que ele pare de pensar em dar cabo da própria vida, levando a pensar nas vantagens de ficar vivo. Essa estratégia, embora possa ter cabimento em situações muito especiais, tem muitos efeitos colaterais indesejáveis, essencialmente porque os pensamentos “expulsos” continuam ativos no inconsciente, podendo, de lá, produzir uma série de sintomas, inclusive o próprio suicídio. Esta estratégia também é empregada por não-profissionais, que nos tentam convencer a não pensar desta ou daquela maneira, mas sim da maneira que eles consideram “correta”.
A segunda cria situações especiais durante as quais o paciente descarrega, com grande intensidade emocional, os pensamentos perturbadores. O problema, aqui, é que, quando a terapia se limita a essa estratégia, embora possa oferecer um temporário alívio, deixa o paciente na eterna dependência de novas sessões de catarse, jamais recuperando de forma estável seu equilíbrio psicológico. Também essa estratégia, que por vezes chamo de “dos Festivais”, ocorre em ambientes não-profissionais, o mais das vezes grupais, como, por exemplo, disputas esportivas de grande carga e emocional, nos carnavais ou em encontros de natureza religiosa, como sessões de umbanda e assembléias chamadas “carismáticas”. Há situações de emergência em que, em contextos laicos ou profissionais, o “descarrego” catártico é indicado.
A terceira – essa dificilmente empregada pelo leigo – é a única que permite uma verdadeira reconstrução do psiquismo perturbado. Embora possa ser implementada mediante uma imensa variedade de técnicas, essa estratégia consiste essencialmente em permitir e incentivar o paciente a fazer uma aproximação “vacinal” dos conteúdos psicológicos perturbadores, de forma a adquirir gradual imunidade a eles, passando a conscientemente administrá-los. Essa, ao que tudo indica, é a estratégia que está sendo empregada, com sucesso, no tratamento a que Fátima está sendo submetida.

O QUE É UMA "NEUROSE" E A NECESSIDADE DO PSICOSSANITARISMO

Foi Freud quem "popularizou" o termo "neurose", distinguindo as "vegetoneuroses" (com outro nome, mais infeliz, é verdade) das "psiconeuroses". Entre essas últimas - que acabaram por monopolizar a denominação de "neurose" - são clássicas a neurose fóbica, a histeria e a neurose obsessivo-compulsiva.

O essencial desse tipo de doença psicológica é o que Freud chamou de "defesa":   por essa ou aquela razão, o sujeito tem interditada a expressão verbal (= repressão) de uma experiência emocionalmente relevante e tal experiência passa a ser expressada por meios não verbais (= sintomas psiconeuróticos).

O tratamento dessas afecções psicológicas, naturalmente, corresponde a fazer que o paciente recupere a enunciação verbal interditada, o que elimina a necessidade da expressão não verbal (= sintomática) da experiência.

Simplérrimo, não? Mas se é possível complicar, por que simplificar?  Se tudo ficar claro, podemos acabar sendo forçados a fazer alguma coisa...

Inclusive investir, através de entidades governamentais e não governamentais, no que deliberei compreensivelmente chamar de  PSICOSSANEAMENTO, ou PSICOSSANITARISMO, formando AGENTES DE SAÚDE PSICOLÓGICA, que, mediante ação pedagógica, ensinariam a população a EMPREGAR SUA FALA DE FORMA NÃO REPRESSORA, emprestando inestimável colaboração para a prevenção e tratamento de uma série interminável de sintomas - físicos e psicológicos - que têm origem na neurose. 

A contribuição de Freud não deve ficar restrita ao que ocorre dentro das quatro paredes de um consultório.  Como ele próprio afirmou, a maior missão da Psicanálise é tornar-se uma "Pastoral Leiga". 

A Nova Conversa, é uma tentativa de contribuir para que algo seja feito nessa direção.

sexta-feira, junho 16, 2006

NOSSOS SONHOS

Cumpre diferenciar entre dois tipos de sonhos: aqueles que nos satisfazem pelo simples fato de terem sido ou de estarem sendo sonhados e aqueles que só irão nos satisfazer no dia em que deixarem de ser o que são para se tornarem realidade. Sem fazer essa diferença, é difícil saber como lidar com eles.

sábado, junho 10, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XI: JÁ NO RASO...

Há cerca de um mês, recebi, via ORKUT, o seguinte imeil, com o título “Corrija se estiver errado”:

“Trabalho com saúde. Faz uns dois anos tive uma experiência bastante desagradável. Tive a sensação de que havia em mim 2 cérebros trabalhando em conjunto: um era o meu eu e o outro era um invasor que passava muito rápido, dando a impressão que queria invadir o meu eu. Isso me desesperou muito, achei q/ ia ficar louca e iniciei uma psicoterapia. Resultado: a psicóloga encaminhou-me a um psiquiatra, que me disse que isso é natural, que temos dois cérebros que trabalham juntos [nota minha: possível referência a nossos dois hemisféricos cerebrais], mas eu não acreditei e ainda não acredito. Esse cérebro, às vezes, ainda volta a invadir,mas com a psicoterapia aprendi a conviver com ele ,embora dificulte a minha vida em todos os sentidos. Assinado: Fulana de Tal.” [Nessa transcrição, para facilitar o entendimento, mas sem alterar o conteúdo, melhorei o estilo e eliminei alguns erros de pontuação e gramática do original]

Não conheço a pessoa que me enviou essa mensagem, nem tenho condição de avaliar se se tratava de um trote – com a possível intenção de testar como eu responderia – ou se, não sendo, estaria destorcida a descrição que fez a missivista do comportamento do psiquiatra que a atendeu. Não me pareceu, contudo, haver nenhum prejuízo em responder da maneira que responderia caso não fosse uma brincadeira e a descrição estivesse correta. Nesse último caso, minha resposta poderia fazer algum bem, caso contrário, não iria fazer mal. Portanto, falei assim:

“Parece que esse psiquiatra que lhe atendeu passou ao largo do que é o seu real problema. Admitamos, para fins de argumentação, que tenhamos dois cérebros e, como disse ele, esses cérebros trabalhem juntos. Pois bem, tenhamos 2, 3, 4, 22, 407 ou 5000 cérebros, você já viu alguma pessoa afirmar que está se sentido “invadida” por um deles, que isso "a deixou desesperada", que "achou que ia ficar louca" ou que tal fato lhe "dificultasse a vida em todos os sentidos"? É óbvio que não! Se você vai ao médico e lhe diz que seus dois pulmões estão doendo, você vê algum cabimento em o médico lhe responder que "isso é natural” e que, realmente, “temos dois pulmões que trabalham em conjunto", dispensando-a em seguida com uma tapinha nas costas? Evidente que não! O problema, nesse caso, não é termos, ou não, dois pulmões. O problema é que eles ESTÃO DOENDO! Por isso, não desista de encontrar alguém que leve a sério sua dor e se disponha a lutar junto com você para vencê-la. Abraço. Assinado: Luís César.”

Continuemos supondo, ainda para fins de debate, que não se tratava de um trote e que o comportamento do profissional em pauta não foi distorcido. Tal suposição não seria absurda. Se vemos, na área da saúde física, ocorrerem operações em que se retira do paciente seu rim saudável, deixando-o com o doente, se vemos outras em que, após suturar o paciente, se deixam instrumentos cirúrgicos dentro dele, por que, na área da saúde mental, inexistiriam despautérios de igual porte? Despautérios da mesma estirpe que, em minha longa vida profissional como terapeuta, tive o desprazer de presenciar ou de ouvir relatados?
Mas o objetivo central deste meu texto é ilustrar como, para não ouvir alguém, à erro de sermos PROFUNDOS DEMAIS, abordada no “DIÁLOGO” anterior, podemos acrescentar outro, o de sermos RASOS DEMAIS.

sexta-feira, junho 02, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS X: NO FUNDO...

A nos inspirarmos em Nélson Rodrigues, podemos construir uma proveitosa classificação dos idiotas. Há-os de dois tipos: (a) o primeiro, de “idiota da objetividade”, foi proposto por aquele teatrólogo e (b) o segundo, de “idiota da subjetividade”, proponho eu. Exemplo do primeiro tipo:

FILHO: — Mãe, estou tão deprimido!
MÃE: — Meu filho, mas você ALMOÇOU DIREITO?

Para o “idiota da objetividade” há SEMPRE – e não é sua referência ao objetivo que o torna idiota, é o SEMPRE! – uma razão concreta – não ter almoçado, não ter dormido direito, estar com uma unha encravada etc. – para justificar nossas crises existenciais.
Passemos ao segundo tipo de idiota. Desse, a melhor ilustração que conheço encontrei em uma piada sobre psicanalistas. Dois deles se cruzam no pátio de uma instituição psiquiátrica:

PRIMEIRO PSICANALISTA: — Olá fulano, bom dia!
SEGUNDO PSICANALISTA: — “Bom dia?!” O que é que você QUER DIZER COM ISSO?

Aqui, a explicação é SEMPRE – e, mais uma vez, o problema não está na natureza da explicação, está no SEMPRE! – de tipo subjetivo – se “dermos mole”, é capaz de ocupar nosso tempo tentando nos tentar convencer que nossa unha encravada é conseqüência da ativação de nosso Complexo de Édipo. Como vemos, a idiotice nos ameaça por todos os lados. Com dizem os ingleses: “There’s no fool-proof rule”. Seja: não há regras à prova de idiotas. Mas há especializações. Cientes disso, cada um pode pôr-se em alerta contra o tipo de idiotice que mais tende a empregar: engenheiros (e homens!) estão mais expostos a se tornarem idiotas da objetividade; psicanalistas (e mulheres!) perigam sê-lo da subjetividade. Como meu problema não é a engenharia, voltemo-nos sobre a área a que me dedico, a Loganálise (uma variação da Psicanálise). Uma das preocupações dessa variação é repassar para o cidadão comum informações preciosas sobre o funcionamento da mente que ainda não foram devidamente absorvidas pelo público em geral. Seria extremamente útil que esse público fosse capaz de detectar quando o psicanalista incorreu no erro a que sua profissão mais lhe incita para que dele se possa defender. O caminho a percorrer é longo, mas, como ensina o Oriente, o início de uma longa caminhada é feito por um passo. Ensaiemo-lo.
O diálogo que segue é real. Ocorreu durante o atendimento psicoterápico de uma paciente que, desde menina, atraia o olhar concupiscente dos homens, tendo, à conta disso, sido por duas vezes vítima de estupro:

MÔNICA: — Estou cansada desse tipo de atração que eu exerço sobre os homens! Cara, eu não agüento mais! É um nojo! Não sei como me proteger disso!
TERAPEUTA: — Mônica, NO FUNDO, você se sente é vaidosa de atrair os homens.

Pronto, o analista não soube se proteger e caiu na esparrela de agir como um idiota da subjetividade, deixando de ouvir a emoção que, naquele momento, sua paciente tinha necessidade de comunicar! A paciente em tela, após aquela “interpretação”, foi tomada pela culpa, afastou-se do convívio social (“Eu me sentia como um caramujo”, disse ela) e terminou por abandonar a terapia. Uma terapia eficaz permite que o paciente experimente vívidamente as emoções que, a cada momento, estão na SUPERFÍCIE de sua consciência. Passada essa experiência, a que estava mais NO FUNDO vem para a superfície, para ser também experimentada. Ninguém VIVE no fundo de si mesmo!

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS IX: O CONCRETO E O FIGURADO

Atendi uma paciente de seus trinta anos que, entre várias queixas, tinha a de sentir câimbras na mão, que estavam se tornando cada vez mais fortes, quando se punha a escrever. Durante a análise, lembrou-se do seguinte episódio, até então de todo esquecido:
Quando Marília – chamemo-la assim – tinha por volta de 4 anos, sua mãe, ao passar pela pela sala, viu-a sentada no chão, rabiscando alegre e abundantemente a agenda de trabalho do pai. A mãe não lhe bateu. Apenas aproximou-se dela, tirou-lhe a agenda das mãos e, profetizou:

MÃE: — Minha filha, seu pai vai te matar!.

Em seguida, voltou para seus afazeres. Marília foi para o seu quarto e agachou-se em um canto. Tinha tomado à letra as palavras da mãe e ali ficou, petrificada, esperando a morte que ocorreria quando seu pai chegasse. Não ocorreu. Continuou esperando no dia seguinte. Não ocorreu. E no dia seguinte e no dia seguinte... Aos poucos deixou de esperar conscientemente o ataque do pai, mas havia-se transformado de uma criança extrovertida e leve em uma criança introvertida e pesada. A partir do resgate dessa memória – e do de outras experiências de medo que enfrentou – suas caimbras começaram a regredir até desaparecerem de todo, juntamente com outros sintomas – mormente de natureza claustrofóbica – que não analisarei aqui porque, hoje, meu objetivo é apenas ilustrar a extrema concretude que a escuta infantil pode atribuir a palavras que nós, adultos, empregamos em um sentido meramente figurado. Saber disso pode nos fazer evitar, em nossas comunicações com as crianças, determinados tipos de comentário. Exemplifico.
Quando ministrei uma série de palestras sobre Loganálise para o corpo docente de um CIEP situado em uma área extremamente conturbada do Rio, onde pais e mães, tratam seus filhos com extrema rudeza e violência, uma professora relatou seguinte diálogo, mantido com um menino que, no terreno baldio que circunda a escola, ela encontrou ajoelhado, ao lado de um cavalo, segurando uma de suas patas dianteiras, tentando fazê-lo com ela rabiscar o chão:

PROFESSORA: — Que é isso que você está fazendo, menino!
JOÃO: — Estou tentando ensinar este cavalo a escrever.
PROFESSORA: — Meu filho, animal não escreve!

Eu sabia que o menino estava enfrentando dificuldades em seu processo de alfabetização e confesso que não consegui escapar, dada a concretude da escuta infantil a que acabamos de nos referir, à não tão mirabolante hipótese de que, no ambiente inóspito em que vivia, frente a suas dificuldades de aprendizagem, aquela criança já teria ouvido algum comentário como “Você é um animal! Nunca vai aprender nada!” e que tentar “alfabetizar” o cavalo era uma tentativa original, não obstante canhestra, de testar se – ou de provar que – “animais” também aprendem a escrever. Essa minha hipótese pode ser uma grande bobagem e servir apenas como mais uma ilustração da aludida concretude. Mas ainda assim, por via das dúvidas, eu não lhe teria dito o que lhe disse a professora...