sábado, junho 10, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XI: JÁ NO RASO...

Há cerca de um mês, recebi, via ORKUT, o seguinte imeil, com o título “Corrija se estiver errado”:

“Trabalho com saúde. Faz uns dois anos tive uma experiência bastante desagradável. Tive a sensação de que havia em mim 2 cérebros trabalhando em conjunto: um era o meu eu e o outro era um invasor que passava muito rápido, dando a impressão que queria invadir o meu eu. Isso me desesperou muito, achei q/ ia ficar louca e iniciei uma psicoterapia. Resultado: a psicóloga encaminhou-me a um psiquiatra, que me disse que isso é natural, que temos dois cérebros que trabalham juntos [nota minha: possível referência a nossos dois hemisféricos cerebrais], mas eu não acreditei e ainda não acredito. Esse cérebro, às vezes, ainda volta a invadir,mas com a psicoterapia aprendi a conviver com ele ,embora dificulte a minha vida em todos os sentidos. Assinado: Fulana de Tal.” [Nessa transcrição, para facilitar o entendimento, mas sem alterar o conteúdo, melhorei o estilo e eliminei alguns erros de pontuação e gramática do original]

Não conheço a pessoa que me enviou essa mensagem, nem tenho condição de avaliar se se tratava de um trote – com a possível intenção de testar como eu responderia – ou se, não sendo, estaria destorcida a descrição que fez a missivista do comportamento do psiquiatra que a atendeu. Não me pareceu, contudo, haver nenhum prejuízo em responder da maneira que responderia caso não fosse uma brincadeira e a descrição estivesse correta. Nesse último caso, minha resposta poderia fazer algum bem, caso contrário, não iria fazer mal. Portanto, falei assim:

“Parece que esse psiquiatra que lhe atendeu passou ao largo do que é o seu real problema. Admitamos, para fins de argumentação, que tenhamos dois cérebros e, como disse ele, esses cérebros trabalhem juntos. Pois bem, tenhamos 2, 3, 4, 22, 407 ou 5000 cérebros, você já viu alguma pessoa afirmar que está se sentido “invadida” por um deles, que isso "a deixou desesperada", que "achou que ia ficar louca" ou que tal fato lhe "dificultasse a vida em todos os sentidos"? É óbvio que não! Se você vai ao médico e lhe diz que seus dois pulmões estão doendo, você vê algum cabimento em o médico lhe responder que "isso é natural” e que, realmente, “temos dois pulmões que trabalham em conjunto", dispensando-a em seguida com uma tapinha nas costas? Evidente que não! O problema, nesse caso, não é termos, ou não, dois pulmões. O problema é que eles ESTÃO DOENDO! Por isso, não desista de encontrar alguém que leve a sério sua dor e se disponha a lutar junto com você para vencê-la. Abraço. Assinado: Luís César.”

Continuemos supondo, ainda para fins de debate, que não se tratava de um trote e que o comportamento do profissional em pauta não foi distorcido. Tal suposição não seria absurda. Se vemos, na área da saúde física, ocorrerem operações em que se retira do paciente seu rim saudável, deixando-o com o doente, se vemos outras em que, após suturar o paciente, se deixam instrumentos cirúrgicos dentro dele, por que, na área da saúde mental, inexistiriam despautérios de igual porte? Despautérios da mesma estirpe que, em minha longa vida profissional como terapeuta, tive o desprazer de presenciar ou de ouvir relatados?
Mas o objetivo central deste meu texto é ilustrar como, para não ouvir alguém, à erro de sermos PROFUNDOS DEMAIS, abordada no “DIÁLOGO” anterior, podemos acrescentar outro, o de sermos RASOS DEMAIS.

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