quarta-feira, outubro 19, 2005

KIT SEPARAÇÃO

Seguem pontos que me parece fundamental serem considerados quando um casal encara o problema da separação. Cada um desses pontos abordados abre espaço para uma quantidade infinita de questionamentos e, mesmo quando se têm esses questionamentos razoavelmente respondidos, é freqüentemente necessária alguma orientação profissional para que se possam aplicar adequadamente as respostas encontradas.

PRIMEIRO PONTO - A separação em si mesma não é desejável nem indesejável. Há separações que ocorrem e que melhor seria não houvessem ocorrido e outras que não ocorrem e seriam melhor que ocorressem. No primeiro caso, pessoas que se amavam, tinham filhos, interesses sociais e culturais comuns, bom entendimento sexual etc., enfim, que tinham todas as condições para levar uma vida feliz, não tiveram COMPETÊNCIA PARA SE MANTER JUNTOS; no segundo, pessoas que, por exemplo, casaram sob pressão, não se amam, não têm filhos, têm mal entrosamento sexual, interesses sociais e culturais opostos etc. , enfim, que têm todas as condições para levar - e levam - uma vida miserável, não têm a necessária COMPETÊNCIA - alguns diriam "e coragem!", mas parte da falta de coragem vem da falta de competência - PARA SE SEPARAR.

SEGUNDO PONTO - É necessário sofisticar o entendimento do que seja separação. Um casal sentado em um restaurante, almoçando, no domingo, e que passa todo o tempo sem trocar palavra um com o outro APRESENTA SIGNIFICATIVO NÍVEL DE SEPARAÇÃO, embora não esteja oficialmente separado. Da mesma forma que fazer um diagnóstico precoce do câncer é uma das melhores garantias para que se o possa curar, identificar e lidar com a separação em seus estágios "pré-terminais" é uma das condições para que se possa manejá-la adequadamente. Pode evitar, por exemplo, que inadvertidamente se tenha um filho (ou mais um) e se introduza mais uma "vítima" em um proceso inescapavelmente doloroso, quando já há fortes indícios de que, mais adiante, o provável desenlace para o relacionamento do casal será a separação.

TERCEIRO PONTO - É fundamental, que cada um dos envolvidos empregue todos seus esforços - não sei se é possível fazer isso sem algum tipo de apoio profissional - para manter clareza relativamente a quem ele é e quem os outros são. Para isso, vai ter que enfrentar dois obstáculos. O primeiro, interno, é que, em situação de crise, nossa mente é ocupada por pensamentos de todo contraditórios: "nunca mais quero ver a cara desse(a) vagabundo(a)!", "meu deus, eu não posso viver sem ele(a)!", "sabe de uma coisa? Já não me importa mais se a gente separa, se não separa ou com o que quer possa acontecer!"; o segundo, externo, é o de que, todos - o pai dele, o pai dela, a mãe dele, a mãe dela, os filhos, os demais parentes, os amigos, os colegas de trabalho, os vizinhos, o porteiro, o dono do açougue etc. - vão fatalmente querer "enfiar a pata" na sua separação (se não tomar cuidado, até o psicólogo vai achar que pode decidir por você). Como lidar com isso? Primeiro, já basta a quantidade de pessoas que vai querer se intrometer em sua vida. Portanto, não cabe se "oferecer de bandeja": é mais do que razoável que, numa situação de crise, fiquemos interessados em tirar proveito da experiência de outras pessoas para entrar em contato com repertórios de comportamento que não conhecíamos ou sobre os quais não havíamos pensado e que podem ser-nos instrumentais para enfrentá-la, mas perguntar a seu vizinho "como é que o senhor agiria em uma situação destas?" é de todo diverso de perguntar a ele "o que o senhor acha que eu devo fazer?"; esse último tipo de colocação é um convite para que seu vizinho meta, de fato, "a pata em sua vida", enquanto a primeira permite, caso seu solícito interlocutor se disponha a fazer isso, que você possa, sem perder a coerência, responder: "Desculpe, eu não lhe pedi para me dizer o que eu DEVO FAZER, eu lhe perguntei o que O SENHOR FARIA em circunstâncias semelhantes; decidir, decido eu." Como dizia o Nerso da Capitinga: "Eu é eu, o sinhorrr é o sinhorrr!". Além disso, para, numa situação de crise, a pessoa poder manter real contato com a própria individualidade, ela tem que "operar em micro". Explico-me: numa situação em que, a todo momento, somos tomados por pensamentos contraditórios, É FUNDAMENTAL QUE NÃO NOS AÇODEMOS A TIRAR CONCLUSÕES GERAIS E DEFINITIVAS. É necessário ser capaz de digerir a crise "em pequenos bocados"; ser capaz de dizer "agora, estou com raiva", "agora, estou triste", "agora, estou aliviada" etc. etc. etc.. Para quem não está treinado, isso não é muito simples e, por vezes, requer a ajuda profissional. De qualquer forma, este tópico nos leva naturalmente ao seguinte.

QUARTO PONTO - A proposta da Igreja Católica de que a pessoa peca por "pensamentos, palavras e obras", seja qual for seu cabimento teológico, certamente é uma catástrofe psico-higiênica. Durante uma crise, é fundamental que a pessoa seja capaz de ENUNCIAR VERBALMENTE - nem que seja apenas para si mesma - todos os pensamentos e sentimentos que lhe vierem à cabeça: "queria matar aquele(a) desgraçado(a)!", "na verdade, agora, eu queria estar era nos braços dele(a)" etc.. É fundamental o princípio de que qualquer sentimento - inveja, pena, culpa, raiva, medo, ternura, ciúme, orgulho, humilhação, desprezo, saudade, etc. - tem o INCONDICIONAL DIREITO DE SER VIVENCIADO. Como dizia o não tão brilhante, mas incomparavelmente saudável Bambam, do BIG BROTHER, para se viver bem esta vida, temos que reconhecer que tudo "faich parrrtchi!" Isso é fundamental, entre outras coisas, para que a situação de separação, já em si frustrante, não se torne traumática, o que levaria a pessoa à paralisação ou desorganização de seu comportamento. Pensar e sentir, naturalmente, é diferente de fazer. Pessoas que, SE PENSAM E SENTEM, FAZEM, são pessoas que têm um nível de descontrole que requer auxílio profissional e devem seguir este conselho.

QUINTO PONTO - Já parcialmente orientados por nossos dois grandes filósofos tupiniquins, o Nerso da Capitinga - com seu "Eu é eu, o sinhorrr é o sinhorr!" - e o Bambam - com seu "Faich parrrtchi!" - podemos completar nosso KIT SEPARAÇÃO com a contribuição de um terceiro, e filósofo não menor, a saber, José Abelardo Barbosa, o Chacrinha, que nos legou seu "Quem não se comunica, se trumbica!". Não é difícil imaginar a quantidade de vezes em que ouvi pacientes dizerem estar pensando em se separar do companheiro ou companheira. Todas as vezes que conseguir levá-los a compartilhar esses pensamentos - mesmo ANTES QUE houvessem decidido, de fato, concretizá-los - com seus respectivos companheiros, o desenlace do processo - fosse ou não a separação - foi menos traumático para todas as partes envolvidas. É verdade que A FORMA EMPREGADA para fazer essa comunicação é fundamental para que ela seja bem sucedida, mas detalhar isso ultrapassa as possibilidades de um post. Remeto os interessados nesse detalhamento à leitura de meu livro A Nova Conversa (Ediouro, 2004).

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