terça-feira, março 14, 2006

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS VI: SISTEMA NERVOSO

Tive uma empregada – chamemo-la aqui de Regina – que, embora de todo iletrada, tinha lá suas vocações filosóficas. Uma vez, entrei na cozinha e ela, com uma batata semidescascada na mão, estava estática, olhar perdido no infinito. Ao perceber que eu havia entrado, iniciou o seguinte diálogo.

REGINA (recuperada do transe): — Doutor, todas as pessoas tem sistema nervoso?.
EU: — Sim, Regina, todas as pessoas.
REGINA: — E por que ninguém tem SISTEMA CALMO?
EU (tentando recuperar-me do impacto da pergunta): — Não sei, minha filha. Mas você tem razão. Seria bem melhor que as pessoas tivessem um sistema CALMO!

A que vem aqui esse diálogo? Vem a propósito do fato de que freqüentemente me perguntam o que é saúde mental. Essa pergunta pode ser respondida em vários níveis, uns mais sofisticados do que outro. Comecemos por um nível relativamente sofisticado e, em seguida, voltamos à Regina. Nesse nível relativamente sofisticado, eu falaria assim:

SAÚDE MENTAL (HUMANA) = capacidade de, mediante a interação harmônica de intenções passíveis de serem verbalmente representadas, orientar o próprio comportamento de forma a, dentro das limitações impostas pelo meio ambiente, obter o máximo possível de prazer e de funcionalidade.

Mas façamos a coisa mais accessível:

SAÚDE MENTAL = ter suficiente jogo de cintura para unir o útil ao agradável.

Mas ainda não chegamos à Regina. Tentemos fazê-lo. Comecemos assim: temperatura é uma coisa, termômetro – ou seja, medidor de temperatura – é outra. Saúde mental é uma coisa, indicadores de saúde mental são outras. Há QUATRO grandes indicadores de saúde mental, sobre os quais ainda falaremos, mas um deles, certamente, é a SERENIDADE. Mas existe um grande engano quando se coloca a FELICIDADE como indicador de saúde mental. Querem ver? Recentemente, no Pinel, dialoguei com uma paciente que me disse como estava feliz com o fato de a filha que tinha nos braços – na realidade, uma boneca – estar tão saudável. Sua filha real tinha morrido, ainda pequena, de leucemia. Alguém é capaz de achar saudável a felicidade dessa moça? Há pessoas que ficam estressadas e ansiosas com uma promoção profissional e outras que são capazes de sofrer intensamente, mas com serenidade, a morte de uma filha. E um dos principais fatores que determina que o processamento – do prazer ou da dor – seja sereno (no léxico da Regina, sistema CALMO) ou ansioso (no idêntico léxico, sistema NERVOSO) é a capacidade de expressarmos verbalmente de forma adequada o prazer e a dor. Esse é o objetivo da Nova Conversa.

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