sábado, novembro 03, 2007

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XXXIX: ANSIOSTATO QUEBRADO

O fragmento de diálogo que passo a relatar aconteceu há mais de trinta anos, e, para mim foi uma aprendizagem inesquecível.
André era um paciente extremamente ansioso. Hoje em dia, atendo alguns pacientes deitados outros sentados, segundo a vontade deles e as necessidades do tratamento. Naquela época, todos – e, por conseguinte, André – eram atendidos deitados. Sua ansiedade era particularmente visível em sua respiração e, evidentemente, também em suas próprias verbalizações sobre seu estado, nas quais relatava não só a própria vivência de ansiedade, como a presença de indicadores físicos que soem acompanhá-la: aceleração dos batimentos cardíacos, secura dos olhos, suor frio etc. Mas, nesse dia, alguma coisa de especial havia acontecido. Deitou-se no divã, ficou em silêncio, e percebi uma respiração longa e profunda, totalmente incompatível com um estado de ansiedade. Ao que comentei:

LC: — Hoje você parece estar bastante calmo!

Foi o bastante para que, de imediato, retornasse a seu estado “normal”, com a respiração evidentemente alterada e exclamando:

ANDRÉ: — Caramba! Foi só você falar isso, que meu coração se acelerou de novo e estou começando a suar novamente!
LC: — Bem, parece que você já está nervoso, outra vez!
ANDRÉ (dando um suspiro de alívio e retomando uma respiração profunda, indicativa de que a tranqüilidade retornara): — Aaaaaaaaah! Engraçado, FIQUEI CALMO OUTRA VEZ!

Como alertou Shakespeare, há certamente mais coisas sob o céu do que sonha nossa vã filosofia! Como diabos poderia eu imaginar que dizer para um paciente que ele estava calmo iria fazê-lo ficar nervoso?! Que supervisor poderia ter-me alertado sobre isso? Que literatura?
Mas, enfim, a experiência acabou sendo útil, pois, a partir dela, desenvolvi a teoria do “ansiostato quebrado”. E o que é isso?
Fácil. Termostato você conhece, não é? Ele nos permite ajustar, por exemplo, um aparelho de ar condicionado para que se mantenha um determinado aposento a uma determinada temperatura, ligando ou desligando o aparelho, de forma a que se faça esse ajuste. Recentemente, o termostato de um de meus aparelhos de ar condicionado quebrou, ficando fixado em sua temperatura máxima. A conseqüência disso, naturalmente, foi a de que eu não podia mais, enquanto não o consertasse, ajustar a temperatura do quarto a meu bel-prazer.
Em minha teoria, todos nós somos providos de ansiostatos, que nos permitem ajustar nossa ansiedade – ou nosso medo – de acordo com o grau de perigo a que nos cremos sujeitos em um determinado momento, em determinadas circunstâncias.
Ocorre que, em certas pessoas o ansiostato quebra. Nesse caso, a ansiedade é mantida SEMPRE, no mesmo nível – para mais ou para menos – de forma que elas não podem mais AJUSTAR SEUS ANSIOSTATOS em conformidade com ao nível de perigo a que creem estar, de fato, expostos. André era um exemplo disso. Seu ansiostato havia quebrado, tendo ficado fixado na posição “MUITA ANSIEDADE”. Ele não era louco e sabia muito bem que sua ansiedade era excessiva. Quando assinalei que ela havia caído, acionou-se nele um sinal de alarme e a ansiedade subiu; quando apontei a queda, o alarme se desligou e ele novamente se acalmou.
Claro que eu não cometi a estupidez de dizer que ele estava calmo outra vez!

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