segunda-feira, junho 25, 2007

DIÁLOGOS LOGANALÍTICOS XIX: "DOUTOR, EU SOU NEURÓTICO?"

Há perguntas que são recorrentes no contexto psicoterápico. Uma delas é ilustrada pelo diálogo a seguir, ocorrido na primeira sessão em que atendi Vicente:

VICENTE: — Dr., eu sou neurótico?
EU: — O que é um neurótico?
VICENTE: — Ah, não sei, mas o senhor deve saber.
EU: — Você sabe o que é um lepidóptero?
VICENTE: — Não.
EU: — Então, de que adiantaria eu lhe dizer que você não é – ou é – um lepidóptero?
VICENTE: — É, não adiantaria nada. Mas... Bem, um neurótico é um cara nervoso.
EU: — Você é um cara nervoso?
VICENTE: — É, eu sou um cara nervoso.
EU: — Bem, então, dentro do seu vocabulário, você é um neurótico.
VICENTE: — É, mas ser um neurótico é mais do que ser um cara nervoso.
EU: — Bem, parece que você tem uma opinião mais precisa do que seja um neurótico do que inicialmente pareceu. Então, vamos lá: o que é caracteriza o neurótico, além de ele ser um “cara nervoso”?
VICENTE: — Ah, ele é um cara inferior.
EU: — Como assim?
VICENTE: — Ah, ele não consegue fazer as coisas que os outros conseguem.
EU: — Você não consegue fazer coisas que outros conseguem?
VICENTE: — É, não consigo.
EU: — Por exemplo?
VICENTE: — Bem, blá, blá, blá, blá, blá, blá.

E, a partir daí, passamos a aprofundar nossa pesquisa sobre os sintomas que traziam incômodo para meu novo paciente. Como vêm, toda minha orientação foi na direção da “microscopia”, ou seja, na direção de escapar de abstrações vagas e imprecisas para o trabalho sobre elementos concretos da condição de Vicente. Não é à toa que chamo meu trabalho de LogANÁLISE e, não, de LogosSÍNTESE, a exemplo de Freud, que chamou o seu de PsicANÁLISE e, não, de PsicosSÍNTESE.
Além de abstrações vagas e imprecisas não permitirem nenhum trabalho loganalítico eficaz, diga-se de passagem que um neurótico não precisa ser “um cara nervoso”. Existe, inclusive, um fenômeno neurótico, típico da histeria, via de regra elegantemente mencionado em francês, chamado “belle indiférence” ( = bela indiferença ), em que o paciente apresenta distúrbios de ordem física (paralisias, distúrbios sensoriais etc.), enquanto seu humor se mantém perfeitamente sereno. Qual utilidade terapêutica haveria em ficar eu me preocupando em que meu paciente tivesse uma definição academicamente adequada de neurose, em vez de ajudá-lo a iniciar o trabalho que, se bem sucedido, deixá-lo-á livre de seus sintomas?

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