domingo, junho 24, 2007

NASCIMENTO E SAÚDE PSICOLÓGICA

Entre os fatores que determinam saúde e doença psicológicas, desempenha papel fundamental a passagem do meio intra-uterino para o extra-uterino.
No primeiro, o prazer funcional que corresponde à saúde é obtido de forma passiva, regulado pelo sistema nervoso da mãe, numa integração entre o sistema-feto e o meio-ambiente-útero que podemos considerar de quase-indiferenciação. Com o nascimento, rompe-se esse equilíbrio prazeroso funcional passivo e a integração não diferenciada que caracterizavam a situação intra-uterina. O recém-nascido encontra-se em uma situação de desequilíbrio prazeroso-funcional e, já diferenciado, é vítima da não-integração – que poderá ou não vir a ser superada – com o novo meio-ambiente que o cerca. O material fornecido por pacientes sob terapia sugere que, a partir desse instante, a natural tendência do aparelho psíquico para buscar o prazer e evitar o desprazer desdobra-se em duas vertentes:
Uma delas – chamemo-la de “desejo de fetalização” – busca a recuperação do estado de equilíbrio prazeroso passivo e indiferenciado que constituía a situação intra-uterina. Como essa recuperação é evidentemente impossível, a vertente da fetalização vai compor as forças que buscam a satisfação na fantasia, satisfação que, sempre precária, cria um núcleo crônico de frustração.
A outra vertente – à falta de melhor nome, chamemo-la de “desejo de genitalização” – passa a buscar a recuperação do estado de equilíbrio prazeroso de forma ativa e auto-orientada, culminando, quando bem sucedida, numa integração com o meio-ambiente compatível com a diferenciação conseqüente ao nascimento.
As duas vertentes poderiam, a uma visão de superfície, ser identificadas com, respectivamente, a “Pulsão de Morte” e a “Pulsão de Vida” freudianas e, com efeito, tanto essas conceptualizações do pai da Psicanálise quanto as aqui expostas têm, a nosso ver, origem no reconhecimento da existência do mesmo tipo de material empírico. Tal identificação, contudo, não procede, na medida em que:
1º. O “desejo de fetalização” não corresponde a nenhum “desejo de morte”, a não ser, no limitado sentido de que nossa produção simbólica freqüentemente equaciona túmulos com úteros e cadáveres com fetos;
2º. O “desejo de fetalização” é assumidamente uma estratégia de busca de prazer, não pressupondo, como faz seu correlato freudiano, um salto “para além do princípio do prazer”;
3º. Tampouco existe, acoplada ao conceito de “desejo de fetalização”, nenhuma hipótese de que ele seja derivado da tendência do orgânico para voltar ao inorgânico;
4º. Por fim, a proporção de “desejo de fetalização” e de “desejo de genitalização” operantes em um determinado psiquismo não é considerada como biologicamente determinada nem como inaccessível a alteração por via psicoterápica, mas, pelo contrário, como sendo grandemente determinada pela história de cada sujeito e passível de ser modificada por esse tipo de tratamento.
Essas considerações me levam a sustentar que um psiquismo será tanto mais saudável quanto mais houver atingido um equilíbrio prazeroso, funcional, ativo e orientado, capaz de estabelecer uma integração diferenciada com o meio ambiente que o cerca.

Nenhum comentário: